Faltavam dez minutos para uma parada no Graal Bela Vista quando o ônibus em que eu viajava bateu no da frente, um pouco antes das 4h da manhã. Eu estava de cinto de segurança, o que me fez ter apenas uma pequena lesão na perna, mas me protegendo do pior. As pessoas que estavam sem o cinto foram arremessadas para poltronas à frente ou sofreram forte colisão.
Não sei descrever, ainda, como é o momento em que se ouve o primeiro impacto na traseira do ônibus parado na Fernão Dias. Nosso veículo continuou em movimento, com barulhos ocos de colisões simultâneas, naquilo que parecia ser algum tipo de vegetação. Da batida ao momento de o ônibus parar é um tempo indefinido, apesar de parecer infinito. O ônibus parou fora da pista, num terreno no nível da estrada.
No escuro, as janelas de emergência começavam a ser quebradas, pois não tinha como sair pela porta que ligava os passageiros ao motorista. A lateral do outro ônibus invadiu o nosso como uma guilhotina entrando pela janela da frente.
Depois de um pequeno hiato, o sangue aparece revelado pelas lanternas dos celulares.
A jovem das poltronas ao lado gritava repetidas vezes: “Minha mãe”. Eu me levantei e fui na direção delas, mas não estava vendo ninguém ao seu lado.
Depois que ela me disse que estava em pânico, até voltar a si e informar que a mãe não estava no ônibus, foi a reação nervosa dela.
Ali, naquele cenário de horror, eu constatei, mais uma vez, como as pessoas são solidárias. Um jovem, com pequenos cortes, quebrou e pulou a janela e as pessoas que não estavam feridas começaram a sair, amparadas por mim e por mais um. Na minha vez, coloquei o pé pra fora da janela, numa altura que eu duvidei que daria conta de sair, mas, de repente, senti duas mãos segurando a minha perna direita até chegar ao pneu do ônibus.
Segurando-me apenas na cortina do veículo, passei a outra perna pela janela, no que outras mãos a seguram. Pisei no chão.
A menina que eu ajudei a sair virou pra mim e disse, num desespero contido à força: “moço, o senhor viu a frente do ônibus como ficou”?
As pessoas começavam a parar na estrada para vir ajudar. Um motorista<EM>parou e me perguntou se eu estava bem, quantas pessoas estavam feridas e disse que no outro veículo muitos passageiros foram atingidos. Só aí comecei a me dar conta do tamanho da tragédia.
Ajudamos outros a saírem. As ambulâncias demoravam, na minha percepção de tempo, somada ao meu desespero, já que duas pessoas de dentro do ônibus gritavam de dor, presas entre as ferragens.
Um homem com cortes no rosto e nariz quebrado desceu pela janela, com um choro contido. Pisando no chão ele me disse, amparado por um jovem que estava com ele: “A mulher que tava na minha frente está morta”. Foi aí que ele começou a chorar.
Os passageiros iam saindo do ônibus e buscando sinal para ligar para os familiares. Aquela jovem que gritou pela mãe a acordou com a ligação e disse: “Me desculpa te acordar, eu estou bem, mas meu ônibus sofreu um acidente terrível”.
Com as luzes dos outros ônibus que passavam e paravam, vimos assentos das poltronas que foram arremessados pela janela. O nosso motorista sobreviveu como que por um milagre. Ele estava contendo-se, parece que num primeiro momento, esta é a reação de todos: espanto que cala e imobiliza por algum tempinho. Quando os outros motoristas pararam e vieram ao seu auxílio, perguntei se ele estava bem, no que me disse: “Não. Não estou, não”.
A primeira ambulância veio pelo outro lado da pista, foi até o retorno e parou no outro ônibus. Oito passageiros que não estavam machucados no meu ônibus, inclusive eu, fomos orientados a entrar nos outros veículos que passam rumo a São Paulo, uma vez que em nada ajudaríamos ficando ali. Eu fui. Já acomodado, sentado no outro ônibus, com as pernas pouco doloridas da força para pular a janela, a minha vontade era chorar. Peguei o celular e comecei a escrever o que tinha acontecido, porque até aquele momento parecia que eu não tinha ainda processado aquele acidente. Eu ainda não tinha me incluído nele.
Em minha memória só vinham os gritos de um homem preso às ferragens, minha primeira perna sendo amparada ao pular pela janela e o rosto ensanguentado do homem que segurou a minha outra perna, o mesmo que<EM>perdeu os dentes no impacto, me dizendo quando cheguei ao chão: “Estou vivo por um milagre, eu tirei o cinto por uns minutos e não o abotoei de novo. Sem cinto, só quebrei os dentes. Podia ter sido bem pior”.
A empresa responsável pelo ônibus que me transportava não fez nem um contato para saber como eu estava.
A Assessoria de Imprensa do Corpo de Bombeiros de Minas Gerais, atenciosa como sempre, respondeu a algumas perguntas que acredito serem importantes para todos. O Tenente Henrique César Barcellos de Souza disse que “o cidadão que estiver envolvido neste tipo de acidente, com ônibus e coletivos, mas se encontrar consciente, orientado, uma vítima leve e que tem condições de caminhar, deve buscar sair deste local do acidente e se concentrar com as demais vítimas leves num local e numa distância seguros. A tentativa de ajudar uma vítima que esteja presa entre as ferragens é contra-indicada se a pessoa não tiver o treinamento para isso. Ainda cabe ressaltar que este cenário sempre gera o risco de incêndio por algum curto- circuito nos veículos. Por isso não é seguro estar dentro da zona quente se não tiver o treinamento adequado”.