Tio FlávioPalestrante, professor e criador do movimento voluntário Tio Flávio Cultural.

O primeiro bolo de aniversário em 92 anos

Publicado em 19/05/2023 às 06:00.

Uma mensagem chega no aplicativo de conversas do celular. Uma assistente social de uma instituição de longa permanência para idosos perguntando se eu tinha algum parceiro que conseguisse doar um bolo para um aniversário de uma idosa, acolhida do local, que não tinha familiares.

Na correria, falei que ia olhar, mas a mensagem ficou ali, sendo vista todos os dias, mas descendo para o esquecimento a cada nova mensagem que chegava. Uma tarde, quando resolvi arquivar o que tinha sido resolvido, para não me confundir com as pendências que eu ainda tinha no celular, vi que o pedido do bolo ficou perdido em meio a outras. Mandei as minhas desculpas para aquela pessoa, perguntando se já tinha passado a festa e explicando a minha demora em responder.

Muito simpática, a assistente social me disse que seria no dia seguinte, que eles não haviam conseguido um bolo de aniversário, mas os funcionários fizeram uma vaquinha e fariam um bolo comum, daqueles feitos em tabuleiro, com uma calda por cima e velinhas de enfeite, para não passarem a data sem comemoração.

Fiquei feliz, pois ela já tinha resolvido. Mas, aquele eterno “digitando” no aplicativo de mensagem trouxe, depois de alguns minutos, um relato que mudou tudo.

A assistente social, bastante ética, contou-me que não queria ter me incomodado, mas era uma situação que as comoveu demais. Sem família, aquela idosa completaria 92 anos e havia relatado, numa conversa informal, que nunca teve um bolo de aniversário, daqueles feitos em andares e todo confeitado.

Os seus pais eram muito pobres, com muitos filhos em sua casa, então para não ter o desprazer de explicar a cada aniversário de um filho o motivo de não terem feito um bolo sequer, já que os recursos mal davam para a alimentação diária, os pais simplesmente ignoravam as datas festivas, fingiam que elas não existiam. “Não é por maldade, não”, dizia aquela senhora. É por não terem nem o básico mesmo, sendo esta a forma que eles acharam de não fazer os filhos sofrerem.

Eu lia a mensagem e me perguntava: Como que eu não me atentei para que por trás daquele pedido tinha uma história? Com certeza, sempre há.

Joguei no meu Instagram o pedido, que não é costumeiro para mim e eu também não poderia contextualizar nas redes digitais, já que não tinha, até então, autorização daquela senhora para contar a sua história. Eu precisava de uma pessoa que fizesse bolos de festa, aqueles de andares, para que aquela senhora tivesse a sua primeira comemoração de aniversário com um bolo que ela sonhou ao longo dos seus mais de 90 anos de idade.

“Quem tá com Deus num tá sozinho”, finalizou a sua mensagem aquela assistente social. Eu disse a ela que pediria nas minhas redes sociais, mas não sabia se alcançaria sucesso por estar muito em cima da hora – não o contato dela, mas a minha demora em responder.

Em um dia achar um profissional, que tem na confecção de bolos a sua fonte de renda, que pudesse doar o seu trabalho, assim como os produtos que gastaria para fazer o bolo, em menos de um dia? “Impossível até para quem está com Deus”, pensei, incrédulo.

Quarenta minutos depois do anúncio uma pessoa me chama na rede social e fala que estava com um bolo pronto, de uma encomenda, que por algum motivo não deu certo. Este bolo era temático, se havia problema em relação a isso, pois seria para uma festa infantil, e a decoração era do tema “O pequeno príncipe”, assim sendo, o bolo tinha três camadas, em azul e branco, com o personagem principal no meio e uma coroa no topo.

Consultei a assistente social e ela respondeu na hora: “onde a gente pode buscar?”, no que eu disse que a única “exigência” da doadora é que ela queria participar da festinha, pois tinha perdido a mãe recentemente e seria uma forma de homenageá-la, já que a mãe ajudava diversas instituições. Sendo assim, o bolo e alguns refrigerantes seriam levados pela própria doadora.

Eu não pude participar da festa, mas recebi as fotos daquele momento tão especial e cheio de significado e simbologias. Aquela senhora soprando as velas do seu primeiro bolo de aniversário aos 92 anos de idade, sem carregar culpa de estar contrariando os seus pais, fazendo as pazes com o passado, que foi de sofrimento, mas de muito afeto e cuidado, num jeito diferente, da forma que os pais dela achavam que seria o mais certo a ser feito.

A doadora me mandou uma mensagem depois, agradecendo por aquele dia, de grande importância para ela, ao estar em meio a tantas idosas, desconhecidas, mas tão próximas dela. Que o tempo todo ela havia sentido a presença da mãe, falecida há pouco tempo, e a felicidade da aniversariante, que quando viu o bolo, estampava em seu rosto um choro alegre de um sonho realizado.

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