Tio FlávioPalestrante, professor e criador do movimento voluntário Tio Flávio Cultural.

O Silêncio da Solidão

Publicado em 04/10/2024 às 06:00.

Ela olhou pela janela de sua casa, observando o movimento da rua. Estava aflita, mas não sabia o porquê. Sua angústia era estranha, ao mesmo tempo que já tinha se tornado quase que uma companhia em suas manhã e noites. A vida seguia, mas, dentro do seu coração, o tempo parecia ter parado. Há alguns anos, o sorriso do seu marido ainda iluminava aquele lar. Ele partiu rápido, deixando um vazio imenso. Agora, os seus filhos, que eram tudo para aquela paraibana ativa e independente, tinham iniciado novas histórias em outra cidade, passando em concursos que tanto almejavam ou conquistando vagas de grande reconhecimento. Chamados de “doutor” pelos vizinhos da sua mãe, cada um ia galgando seus sonhos.

As ligações para casa da mãe eram raras, uma vez que todos eles sempre estão muito ocupados. O carinho que Joana sentia por eles era constantemente acompanhado pela solidão que crescia dentro de si.

Recentemente, um diagnóstico inesperado a atingiu: uma doença que transformava seus dias em desafios constantes. Joana tentava ser forte, mas a sensação de estar à deriva, em um mar revolto, se intensificava. A cada dia as paredes da casa pareciam se fechar, e a ausência dos seus filhos se tornava um peso insuportável. Em algumas noites, as lágrimas escorriam silenciosamente por seu rosto.

Em um momento de desespero, decidiu que era hora de agir. Joana pegou o telefone e ligou para cada um dos filhos. Um toque, mais um, mais outro. Aquela chamada parecia eterna, e seu coração acelerava enquanto esperava ser atendida. Quando sua filha finalmente disse “oi, mãe”, a voz trêmula de Joana se perdeu em um misto de alegria e ansiedade. Ela falou sobre como estava se sentindo, como a solidão a afetava e a importância de tê-los por perto.

A filha ouviu, fez-se de forte do outro lado, para dar suporte àquela senhora que ela e seus irmãos acabaram deixando mais sozinha, na confiança de que um ligaria um dia e, assim pensando, nenhum deles ligava. A resposta àquela súplica foi rápida, mas o retorno deles não foi como ela sonhara. Quando seus filhos chegaram, a conversa foi pontuada por silêncios constrangedores e olhares que evitavam alguns assuntos, pendentes desde muito tempo. 

Eles se sentaram à mesa da cozinha, que havia estado vazia por longos meses. Joana tentou se abrir, compartilhar suas lutas, mas a sensação de distância parecia persistir. Os filhos, atarefados com suas novas vidas, mal conseguiam encontrar as palavras para confortá-la. Que coisa mais inusitada: aquela mulher é a mãe de todos ali, mas ninguém sabia ao menos o nome de um remédio que ela tomava, dos médicos que havia consultado nos últimos meses, das batalhas internas que aquela mulher atravessava.

Mais uma vez, todos foram embora. Passaram a ligar com mais frequência, porém, ainda assim, as visitas não foram suficientes para preencher o vazio que ela sentia. Joana percebeu que, mesmo cercada por aqueles que amava, a solidão era quem sempre sentava à mesa para o café de todos os dias.

Foi em um desses momentos de reflexão que Joana decidiu fazer algo diferente. Ela começou a escrever um diário, registrando suas emoções, suas memórias e suas esperanças. Com o tempo, essa prática se transformou em uma forma de autoconhecimento. Ao compartilhar seus escritos com os filhos, ela conseguiu abrir um diálogo mais profundo, mostrando a eles não apenas sua dor, mas também seus sonhos e anseios.

Aos poucos os filhos começaram a compreender a profundidade de seus sentimentos. Embora não houvesse uma mudança mágica, eles se tornaram mais presentes, não apenas fisicamente, mas emocionalmente. Joana percebeu que era necessário construir um caminho para a reconexão que tanto desejava.

Ela me disse que aprendeu que a esperança nunca havia se perdido, ela apenas esperava ser reencontrada. O passo para que isso pudesse acontecer dependia de cada pessoa envolvida naquela relação.

Sozinha em casa, mas sem se sentir tão solitária na vida, ela pegou o celular, colocou sua senha numérica, o dia e o mês do nascimento do seu marido. A foto que se abriu foi o sorriso de Jaci, seu falecido companheiro de muitos anos de vida. Ela deu um beijo na tela, como se fosse o próprio rosto do seu marido e começou a confidenciar a ele aquela boa notícia: “meu bem, os meninos estão ótimos. Com filhos, sucesso na carreira e uma vida aparentemente feliz, enquanto eu sinto ainda muita dor.

Dor que não se apaga, que não diminui e nem o tempo ameniza. Mas, resolvi aceitá-la como visita. Antes ela me apavorava, agora ela é minha confidente, pois até converso com ela. E parece que ela me entende. Deve ter sido ela, mandada por Deus, que trouxe as crianças de volta. Eles falam que nunca saíram, mas a gente sabe que a vida tem dessas coisas, de ocupar quem a gente ama, não pra que nos amem menos, mas para que os pais entendam que amar é, de fato, deixar livre. Se voltarem, é porque nos pertenciam de alguma forma. Meu bem, a depressão veio, os médicos me ajudaram. Ela foi embora. Agora, ficaram as lembranças de uma vida bem vivida. Coisa boa é ter memórias: significa que tivemos momentos que valeram a pena. Fique em paz, agora estou bem. Sua amada, Joana”. Aquela noite foi mais leve. Ela agora está feliz.

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