“Achei os meninos muito desanimados, com umas conversas ‘pra baixo’, o que a gente pode fazer”? Essa foi a pergunta de uma voluntária que tinha ido deixar ovos de Páscoa em um abrigo de adolescentes em Belo Horizonte.
Há um bom tempo dentro de casa devido à quarentena, cerca de dez adolescentes, de 12 a 17 anos, estavam angustiados, ansiosos, apreensivos. Os motivos não são só o “isolamento”, mas tudo o que ele nos aflora.
Cheguei lá, uma semana depois, com o objetivo de conversar com os meninos. Mas fui desarmado por eles, pois as angústias continuavam, logicamente, mas um deles teve a ideia de pegar uns teares parados na casa e, para passar o tempo, começaram a confeccionar tapetes. Eles estavam bem, compenetrados uns e conversados outros.
Um deles fala para mim: “você que é da comunicação, anuncia aí os tapetes, quem sabe a gente não vende”.
Toda vez que a gente entra num abrigo, assim como entra numa empresa, passa por alguém na rua, senta-se num banco de igreja ou, sei lá, dentro da nossa própria família, lidamos com mundos tão complexos. São tantas histórias, vivências, experiências que querem ser rememoradas ou superadas. Do outro e as nossas mesmo.
Em um mesmo mês que celebramos o Dia das Mães e o Dia Nacional da Adoção (25), duas datas importantes, com significados bem fortes, que são de alegrias e gratidão para muita gente, mas carregadas de dor e conflito para outros tantos, pois mães, em asilos ou em casa, esperam pelos filhos, ocupados em outros tempos, “impedidos’ agora.
Filhos, em abrigos ou em casa, que esperam que a vida os devolva as mães ou a esperança por elas.
A coordenadora do abrigo me explicou como os educadores da casa têm atuado ativamente para ajudá-los nas reflexões e me mandou um vídeo, gravado naquela madrugada, em que um adolescente, no auge da insônia, interpreta um poema, dos vários escritos por ele.
Pedi ao Lucas Magalhães, que ama o futebol, a autorização para publicar a sua arte, que é também a sua vida. Esse poema que ele me enviou mostra claramente que apesar da vó ter partido, os exemplos dela são vivos, para ele e o irmão que tanto ama. Digo a vocês que essas falas não me aquietam, porque há “lucas” em vários de nós.
“Crescido no meio do morro
Tiro pra todo lado
Barriga roncando e andando descalço
E dentro de mim um pedido de socorro:
Será que consigo sobreviver a tudo isso?
Essa foi a pergunta que me fiz
A resposta foi um belo sorriso, dizendo: Magalhães seja feliz!
Ao 1 aninho vi minha mãe tomar uma facada na cabeça
Aos 3 fui morar na rua
Aos 6 vi ela sendo presa
E aos 15 ela veio com um pedido de desculpas
Mas o que adianta ser da boca pra fora?
Falar que mudou por mim e querer perdão
Até convenceu meu irmão
Mas quando ele virou, ela fez tudo de novo pelas costas
Aí Paulinho você é demais cara
Fez papel de irmão, pai e mãe
E me protegeu de todas as paradas
Vó, a senhora é minha heroína
Foi mãe, irmã e tia
Colocou comida na minha boca
E me ensinou o que é amor de uma família
Lembro quando quebrei sua santa
E prometi lhe dar outra quando crescer
Mas, infelizmente, não fui um bom neto pra senhora
E quando cresci parei de obedecer
Queria que a senhora estivesse aqui
Pra ver tudo que os seus netinhos estão conquistando
No futebol minha inspiração é meu irmão
Mas você me inspira como ser humano
Deus foi muito esperto em te levar
A senhora era um anjo aqui na terra
E eu faria o mesmo no seu lugar. “