- Alguém está levando o Bingo? Tem cartelas suficientes?
- Pode deixar que eu ganhei umas maquiagens e estou levando.
-Vamos baixar as músicas para todo mundo cantar junto?
- Não podemos atrasar, pois vamos fazer o bingo nas duas alas, mas uma de cada vez.
- Vamos de gorro natalino? Se quiserem eu compro.
-Já recolhi os presentes de cada paciente e estão todos embalados, com os devidos nomes para a gente não confundir na hora.
Essa é a agitação de um grupo de voluntários próximo ao Natal, num ano qualquer, que não seja esse de 2020, pois, afinal, não vai dar para visitar as alas de diálise dos hospitais, as instituições de longa permanência para idosos (ILPIs) não estão recebendo visitas, as casas de acolhimento para pessoas com paralisia cerebral têm restrições na entrada de voluntários, não podemos ir à casa de bebês, um lar de acolhimento institucional para criancinhas tiradas do convívio da família.
- Mas, e aí, o que a gente vai fazer, só esperar mesmo? Perguntavam – ou pressionavam - alguns voluntários.
Como conhecemos a máxima de que até a água parada apodrece, vamos nos colocar em movimento, mesmo que seja virtual.
Criamos, desse jeito, o projeto “O rosto por trás da história”, primeiro para homenagear pessoas anônimas, que estavam se dedicando ao trabalho voluntário durante a pandemia, tendo essas histórias publicadas nessa coluna do Hoje em Dia. Depois, em parceria com a Rádio CDL FM, homenageando professores, com mais de 60 anos de idade e que dedicaram parte da sua vida à educação.
Logo em seguida veio o projeto “Poemia”, maneira que encontramos de chegar às ILPIs, inclusive algumas que nunca havíamos visitado, e grupos de convivência de idosos. Vários jornalistas de tv e rádio, conhecidos dos idosos, além de atores e músicos mineiros, gravaram mensagens, poesias e músicas que são mandadas às instituições duas vezes na semana e assistidas por todos durante o lanche da manhã. Teve uma instituição que até instalou um telão para as mensagens serem assimiladas de maneira mais adequada.
Mas tínhamos que fazer algo a mais: uma gincana entre casas de acolhimento de adolescentes, toda virtual, já que há meses os acolhidos não saiam de casa e só funcionários entravam para trabalhar. Com essa ação pudemos estimular a pesquisa e a interação entre os meninos e meninas. Aulas de desenho e homenagens aos profissionais de linha de frente, que foi até parar numa emissora de tv, tamanha a emoção dos bombeiros ao receberem os desenhos das crianças de um abrigo. Conseguimos a Banda da PMMG para tocar para as crianças com paralisia cerebral no Núcleo Assistencial Caminhos para Jesus, que as colocaram na varanda para ouvirem a homenagem, assim como fizeram com os idosos da Casa Esperança, mantido pelo Núcleo.
O bingo virou virtual e o grupo de voluntários, de casa, acompanhava e participava de tudo. Mas, antes, a cartela, o próprio jogo e os prêmios foram deixados na porta das instituições.
A angústia e a insegurança dos idosos, “institucionalizados” (não gosto desse nome), foram crescendo com a ausência dos voluntários e familiares nesse momento tão conturbado. Assim, criamos o projeto “Esperançar”, em que onze voluntários, alinhados para um objetivo comum, ligariam semanalmente para onze idosos, criando esse laço de confiança e proximidade. Todos sabiam que as ligações cessariam em dezembro e que, após isso, os voluntários iriam redigir um texto contando as experiências de vida daqueles homens e mulheres e, se conseguirmos, isso pode virar um livro.
Mesmo que a gente não consiga editar um livro, uma voluntária pegará todas as histórias e gravará em vídeo, para a gente homenagear os idosos e fazer chegar a sua história a mais pessoas.
Uma amiga comenta sobre o projeto “Me pede que eu canto”, em que cantores gravam canções pedidas por idosos. Resolvemos adaptar e criar um projeto similar, chamado “Musicalidade”, em que nossos cantores voluntários, além de atenderem ao pedido de idosos, vindo através de vídeos gravados nas ILPIs, teriam que mandar uma cartinha pelos Correios, escrita à mão e com uma mensagem nominal ao idoso, acompanhada da letra da sua música predileta.
Essa iniciativa nos possibilitou atender ILPIs de outros Estados e demos início, em meio à pandemia, ao trabalho com um asilo na cidade de Valença, RJ, em que cantores de Minas e do Rio de Janeiro participaram juntos atendendo aos pedidos de 14 idosos, em apenas dois dias. Mas, temos uma questão: a casa tem 90 idosos e todos querem música, o que nos levará à terceira edição do Musicalidade em breve.
Nos unimos a diversos projetos, movimentos e organizações sociais e escrevemos um livro de algumas histórias de voluntariado que nos marcaram. Dessa forma nasceu o “Sim, eu vivi! Vidas: a essência do voluntariado”. Nos unimos novamente, grupos de voluntariado diversos, com atuação em BH e Região Metropolitana, para compor a Árvore Solidária do Minas Shopping, com cartões de várias instituições acompanhados de um ‘QR Code’ que mostra o trabalho de cada uma delas.
Para os adolescentes em abrigos tivemos o “Desafio de Natal”, em que eles deveriam escrever um livro, contando a imaginária história de um Jesus idoso, nascendo hoje, trazendo a mensagem de amor e justiça. Os adolescentes foram instigados a pensar o que seriam a gruta, a manjedoura, os reis nesse novo contexto e reescrever a história do nascimento do meninos Jesus. Esse livro será enviado a instituições sociais que possuam biblioteca. Já estamos programando um “Novo Desafio”, em parceria com o Grupo de Adoção de Santa Luzia/MG – Gada-Santa Luzia, que consiste numa viagem por diversas culturas e curiosidades da história.
E o nosso projeto “Brincar”, que contando com a ajuda de uma educadora do abrigo de Sabará, MG, escondeu utensílios domésticos pela casa, enquanto nossos voluntários acompanhavam por uma sala de reunião virtual cada criança na busca divertida por encontra-los para ganharem um prêmio, deixado dias antes na casa de acolhimento.
Criamos o projeto “Meu livro de receitas”, que terá início em 2021, em que voluntários ligarão para idosos em ILPIs para ouvirem as receitas que eles mais gostavam de fazer, tendo o voluntário que colocar o aprendizado em prática e relatar como foi a experiência. Também teremos o “Oficina do Fazer”, em que nossos voluntários ensinarão, virtualmente, aos adolescentes dos abrigos a confeccionarem jogos de tabuleiro para serem encaminhados aos pacientes hospitalares e idosos em asilos.
Para escolas públicas, jovens aprendizes, APACs e Unidades Socioeducativas a saída foi intensificar as palestras virtuais mesmo, que foram se tornando uma ferramenta útil.
Também será em 2021 que iniciaremos o “Pombo Correio”, em que vários voluntários começarão a se corresponder com idosos através das cartinhas físicas mesmo, postadas nos Correios e que chegarão à instituição onde eles vivem.
Ainda há o projeto de “Oficina de contação de histórias”, iniciado esse ano pela contribuição voluntária da Cleide Alves - formada em Arte, graduanda em Pedagogia e amiga da nossa gestora Heloisa Rezende - que gravou para as crianças dos abrigos infantis a obra “A menina e o pássaro encantado”, de Rubem Alves.
E o que falar do projeto “Cinema na Parede”, em que pedimos às crianças dos abrigos que desenhassem e escrevessem diálogos que Jesus teria com cinco personagens em situação de vulnerabilidade, na noite de Natal. Os desenhos foram colocados na parede do abrigo e narrados por um ou por todos os meninos. A cada conversa de um personagem, muita emoção: um rei solitário, um morador de rua, uma criança no hospital, um idoso no asilo e, finalmente, uma criança num abrigo. Imaginem esses diálogos, que viraram vídeos e já estão no canal do youtube do Tio Flávio Cultural.
Há ainda muito a ser feito, um tanto de coisa a ser descoberta, mas aprendemos que a emoção não está no virtual ou no presencial: está nas pessoas. Apesar de cada ambiente ter suas características, nos emocionamos juntos, virtual ou presencialmente, muitas vezes. Teremos de volta o presencial, em breve, mas ganhamos o virtual de presente.