O domingo ainda estava em suas primeiras horas, o shopping nem tinha aberto e os voluntários já chegavam, vindos de carro próprio ou por aplicativo, ônibus ou carona. O tempo estava fresquinho, mas muito trabalho estava por vir. Desde 8 de maio o Minas Shopping convidou o Tio Flávio Cultural para coordenar um grupo de voluntários que pudessem ficar num posto de recebimento de doações materiais para as vítimas das chuvas e enchentes do Rio Grande do Sul.
Não temos musculatura para uma campanha desse porte, no entanto a Ray, que é gestora do Tio Flávio Cultural, aceitou o desafio, ao lado do pessoal do Impacto do Bem, que seria responsável em coordenar o transporte do material doado de Belo Horizonte até as ONGs parceiras no RS e que acompanharia esta logística da distribuição do que foi arrecadado e enviado. Já o Fraternidade Sem Fronteiras ficaria na mobilização e no apoio à divulgação da ação, junto com o pessoal do marketing do shopping e os demais parceiros.
De um dia para o outro, ainda sob o efeito da comoção das primeiras cenas e relatos da imensa calamidade climática, 200 pessoas se inscreveram como voluntárias para receberem, no estacionamento do shopping, das 10 horas da manhã até as 10 da noite, roupas de frio e calor, calçados, brinquedos, alimentos não perecíveis, água mineral, ração animal, roupas de cama, mesa e banho. Mas, além de receber, era preciso carregar, triar, dobrar, empacotar, guardar. As caixas vazias vinham abertas das lojas do Minas, trazidas por uma legião de funcionários do shopping que se tornaram voluntários indiretos.
Carros e mais carros, lotados de doações, não paravam de chegar.
Naquele domingo em específico, após o dia das mães, já tínhamos suspendido o recebimento de roupas, uma vez que o estacionamento já tinha umas dezenas de toneladas deste item, que seriam transportados em um segundo momento, já que a urgência era outra.
Em cada turno, cerca de 20 voluntários não descansavam. A poeira e a mescla de cheiros das roupas irritavam uns olhos ou narizes, mas ninguém parava. Roupas doadas sem condição de uso iam, com muito cuidado, para uma caixa, onde ainda separaríamos as que tinham condições de serem lavadas e consertadas. Não mandamos nada sujo ou que tivesse que ser costurado, pois as pessoas estão em abrigos, contando com o mínimo para si e seus familiares. Assim, em vez do lixo, faremos as peças que seriam descartadas ficarem em condições de uso, com bastante dignidade, para que sejam doadas às repúblicas de moradores de rua em BH. As que não tinham jeito mesmo, viravam descarte. Na verdade, já eram.
Os caminhões chegavam, faltava gente para carregar tanta doação. Uma pessoa corria na academia do shopping e gritava: chegou um caminhão que vai levar doações para o sul, alguém pode ajudar? Aí vinham vários braços fortes ao nosso auxílio.
Movimentos e projetos sociais se mobilizaram para estarem presentes na triagem, cada um com a sua camisa, identificando a que projeto pertencia, todos unidos pela mesma causa humanitária.
A campanha ainda segue, agora recebendo apenas alimentos, água mineral, produtos de higiene e limpeza. O legal é a mobilização social: escolas que fizeram campanha, vizinhos de condomínios, colegas de empresa. Nunca vi tantas sacolas e caixas com roupas triadas, já acondicionadas, prontas para partirem para o Sul. São toneladas só de roupa.
Quando um carro estacionava e queria entregar mais roupa, recebíamos e falávamos que não tinha como receber mais, pois até os Correios estavam priorizando outros itens. A cara de frustração dos doadores, que estavam em plena campanha de arrecadação, me fez movimentar uma outra campanha: há várias instituições sociais sérias que dependem quase que na totalidade dos recursos advindos de bazares. O ano todo elas recebem roupas, calçados, brinquedos, móveis, para que sejam vendidos nos bazares próprios e, assim, o recurso arrecadado é usado na manutenção de trabalhos imensamente relevantes, como assistência a pessoas com câncer, distribuição mensal de cestas básicas a famílias vulneráveis, aulas e oficinas educativas e por ai vai.
Conversando com o Minas Shopping e os demais parceiros tivemos uma ideia: já que os pontos de coleta não conseguem absorver mais as doações de roupas para serem enviadas ao RS, devido à logística ser priorizada para itens de maior necessidade, poderíamos continuar a receber as doações de roupas de calor e frio, cama, mesa e banho, só que agora estas seriam devidamente destinadas às instituições sérias, cadastradas no instagram @tioflaviocultural, e que precisam manter seus bazares abastecidos para darem continuidade ao seu trabalho social.
Como os parceiros aceitaram, a boa notícia é a de que o ponto de coleta do Minas Shopping continuará recebendo as doações de primeira necessidade para as vítimas das chuvas do RS, mas receberá também roupas para serem destinadas a ONGs mineiras que dependem dos seus bazares. Quem quiser doar, até o dia 30/5, a entrega pode ser feita no estacionamento G2 do Minas Shopping, das 10h às 20h (e no domingo até às 18h).