Tio FlávioPalestrante, professor e criador do movimento voluntário Tio Flávio Cultural.

Quem não se une sucumbe!

Publicado em 23/06/2023 às 06:00.

Todo o ano que antecede as eleições é marcado pelo surgimento quase que instantâneo, como aqueles sucos de saquinho, de algumas instituições sociais que lotam as redes digitais de fotos e vídeos mostrando quão benevolentes são as pessoas que coordenam aquelas organizações. Até aí, tudo bem, mas logo começamos a perceber que a exploração da miséria do outro tem uma finalidade nada humanitária e sim egoística e política.

E estas instituições quando não somem assim que terminam as eleições, se prestam a serem comitês permanentes de campanha, embora disfarçados de benfazejos.

Quando alguma instituição social é pega em escândalos que envolvam corrupção, o chorume se alastra por cima de tantas outras instituições sérias, que há anos realizam seus trabalhos na seara da dignidade humana e da justiça social.

Quando alguma instituição social é pega em escândalos que envolvam corrupção, o chorume se alastra por cima de tantas outras instituições sérias


Sim, eu sei que a reputação da organização, bem como de quem a dirige e a compõe, é uma espécie de armadura, protegendo dos estragos que porventura venham a acontecer. A reputação é uma chance renovada na mente de quem já conhece a instituição, frente a uma notícia ruim de si própria ou de uma outra entidade social. Mas outras tantas pessoas estendem a dúvida a outras organizações, como se as ”farinhas fossem do mesmo saco”.

E quem sai prejudicado com tudo isso não é só uma instituição que perde patrocínios, doações, voluntários e oportunidades, mas crianças que não têm lar e são assistidas em casas de acolhimento, que não substituem uma família, mas aplacam a dor do abandono; idosos que vivem em instituições de longa permanência e têm ali uma possibilidade de diminuir sua solidão e encontrar novamente um sentido numa vida que segue; pessoas em tratamento de doenças de alta complexidade, que dependem dos grupos sociais que levam alimento nas manhãs frias dos hospitais ou daquelas casas que as acolhe, dando um leito para o descanso nas folgas do tratamento em hospitais; animais abandonados ou maltratados que recebem cuidados de saúde e afeto; alunos de escolas públicas que acabam validando o que dizia Jodorowsky, de que “pássaros criados em gaiolas acreditam que voar é uma doença”, mas que com a atuação respeitosa e criativa de coletivos e movimentos sociais, acabam por conquistar um suspiro de esperança.

Quando o Estado desconsidera a importância destas organizações é a escolha que se faz por trilhar um caminho obscuro


É por tudo isso, e por todas estas pessoas, que eu acredito que seja muito importante dar visibilidade aos projetos sérios, que têm atuação comprometida com as causas coletivas e não com projetos pessoais. Só que, para além disso, organizações sociais precisam se aproximar, para que lutem por objetivos comuns. Eu nem quero tentar contrariar o Tom Jobim quando ele diz que “fundamental é mesmo o amor, é impossível ser feliz sozinho”. Só que eu vou transportar a sua fala para o voluntariado, quando afirmamos que o amor é o que move muitas das pessoas em suas atitudes na direção equidade.

Cabe também ressaltar que no social já estamos aprendendo que ninguém faz nada sozinho e é muito melhor – e mais prazeroso - que instituições e pessoas se unam para buscarem juntas a superação de uma ou de várias carências sociais.

Durante a pandemia do Covid 19, enquanto boa parte do poder público não sabia como chegar até os mais vulneráveis, em um momento que todo mundo ainda estava bem perdido, foram as organizações da sociedade civil, que já conhecem as características do território em que atuam e das pessoas que ali vivem e trabalham, que conseguiram chegar em cada lar.

Todos entenderam que cada uma, isoladamente, sair batendo de porta em porta, seria válido, mas não eficaz


Quando o Estado desconsidera a importância destas organizações é a escolha que se faz por trilhar um caminho obscuro. Grupos organizados juridicamente, ou até mesmo informais como os coletivos e movimentos, além das associações de bairro, fundações empresarias, grupos culturais, desportivos e até mesmo os religiosos, e diversas outras entidades, assumiram um papel que extrapolava suas atribuições para fazer o que fosse necessário para preservar e salvar vidas.

Em Minas Gerais tivemos o movimento Unindo Forças BH, que foi inicialmente constituído por sete instituições que em um único dia se organizaram e foram convidando outras mais. Em uma semana, quase duzentas instituições sociais cooperavam na campanha que previa arrecadar um milhão de reais em 40 dias e bateu esta meta nos primeiros quinze dias.

Isso se deu porque todos entenderam que cada uma, isoladamente, sair batendo de porta em porta, seria válido, mas não eficaz. A união fez com que a campanha fechasse seu prazo com o valor de dois milhões arrecadados via plataforma digital, dinheiro transformado em alimentos e produtos de higiene.

O indivíduo que não se alimenta morre. E morto ele não precisará de cursos e orientações profissionais, nem nada que o equivalha


O Mesa Brasil, projeto excepcional mantido pelo SESC MG, foi quem ajudou a fazer as arrecadações materiais, já que há pessoas que preferem doar produtos em vez do dinheiro. Foi também a valorosa equipe do Mesa que nos conectou a diversas instituições sociais sérias que receberiam as doações e entregariam de porta em porta nas comunidades atendidas.

E iniciativas assim, com a união de esforços, é que fazem com que instituições sociais não minguem. Uma vez ouvi uma aula da professora Lúcia Helena Galvão, da escola de Filosofia Nova Acrópole, que dizia que é preciso enxugar o chão, mas é necessário subir ao telhado para consertar a goteira.

O indivíduo que não se alimenta morre. E morto ele não precisará de cursos e orientações profissionais, nem nada que o equivalha. O assistencialismo é importante para que tenhamos condições suficientes para subir no telhado e trocar ou arrumar as telhas que provocam o vazamento.

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