Há muitos anos fui chamado para dar uma palestra no TEdx da Universidade Federal de Viçosa. Foi a primeira vez que fiz um tipo de palestra assim, cronometrada entre 15 e 18 minutos, abordando um tema bem amplo, como a ressignificação, para uma plataforma que é referência em inovação e conhecimento.
Fiquei bem emocionado, mas não foi a melhor palestra da minha vida.
Anos depois fui convidado para uma nova palestra, desta vez no TEDx Puc Minas, em Belo Horizonte. Já estava estudando o sentido da vida e pesquisando, com olhar curioso e não com um método científico, o que fazia as pessoas, apesar das adversidades, terem forças para continuar a viver.
Conversei com idosos institucionalizados. Vou fazer uma pausa aqui só para uma reflexão: detesto esse termo institucionalizado, seja para idosos, crianças, adolescentes, pois parece que a pessoa perdeu sua identidade e adquiriu a de uma entidade, onde ela passa anos iniciais ou finais da vida.
Enfim, além dos idosos, fui fazendo as minhas perguntas a jovens usuários de drogas, adolescentes recém-saídos de casas de acolhimento, pessoas que cumpriram pena no sistema prisional, jovens de escolas públicas e participantes dos programas de jovens aprendizes e pessoas em situação de rua.
As perguntas informais que eu fazia eram sobre o que levava essas pessoas a não desistir da sua vida, mesmo nos momentos mais difíceis, como a separação da família por parte de adolescentes acolhidos, a mudança do convívio familiar para uma residência de idosos, o momento de lucidez após o cometimento de um crime, entre outras situações.
A maioria das respostas estava ligada a Deus: “só Deus para me dar força” ou “não tem explicação, só Deus mesmo”. Muitos usavam, inclusive, falas bíblicas como resposta, o que ressalta o papel da religião - ou religiosidade, digamos assim - na busca por um sentido de vida.
“Venhamos e convenhamos”, a fé não só orienta as decisões e escolhas das pessoas, não apenas atribui um significado à sua vida, mas chega a ser um dos fatores de maior proteção contra a solidão, pelo envolvimento comunitário que promove: presença em cultos, atividades extra templos, projetos sociais, que fazem o fiel estar em constante relacionamento com outras pessoas. Não estou dizendo que quem vive em comunidade não sofra de solidão.
Mas, por a religião ser uma das vertentes de culpabilidade das pessoas, o que pode cercear comportamentos considerados inadmissíveis em uma sociedade, ao passo que contribui, também, para criar um tormento sem precedentes e um fardo difícil de ser carregado por muitos.
Foi quando pedi para as pessoas pensarem em outro motivo, que não fosse o “celestial”, para as perguntas: o que te mantém vivo, o que faz você não desistir frente à necessidade de ir para a rua, por exemplo, para aquelas pessoas que estão em situação de rua.
A maioria respondeu que a esperança era algo que as mantinha no caminho, vivas, acordadas, mas algumas dúvidas viravam verdadeiras âncoras. Era preciso se conhecer melhor, já que este “desconhecimento de si próprio” era o maior motivo das inseguranças. Questões como “quem sou eu, que forças eu tenho, será que eu dou conta, sou muito novo/velho para isso, com o que e com quem posso contar, como seguir?” eram cruciais.
Há lacunas históricas em algumas pessoas, vindas da sua fase infantil inclusive. Pessoas que tiveram uma constituição emocional mais forte talvez consigam lidar com as dores e desafios de maneira mais hábil. No entanto, feriadas abertas, não cicatrizadas, podem se acumular, transformando a vida das pessoas em uma grande chaga.
Quem teve uma melhor constituição emocional, com referências humanas mais consolidadas, poderá passar mais facilmente pelas adversidades, ainda mais quando elas não se sentirem sozinhas e puderem contar com um familiar, amigo, uma ajuda profissional, etc.
Para os que não tiveram as feridas cicatrizadas, a solidão e o abandono são um veneno. A falta de atenção por parte de alguém, seja na igreja, no trabalho, na escola, passa a ser insuportável. As pessoas se sentem invisíveis e, daí, preferem o seu aniquilamento.
Hoje, estudando mais sobre solidão, percebi que uma das doações mais eficazes que podemos fazer é de alimento para aqueles que têm fome, pois a pessoa precisa estar viva para que qualquer outra ajuda seja ofertada, e de atenção intencional, no sentido de ajudar, ouvir, entender, estar presente, fazer o outro perceber que a sua vida importa, sem discursos prontos ou vazios, sem culpabilidade, mas com interesse genuíno pela outra pessoa.
Simone Weil, filósofa francesa, disse que “a atenção é a forma mais rara e pura de generosidade”.
Um bom presente para um novo ano seria repensar o quanto nos distanciamos da nossa natureza humana, vou falar assim para expressar a nossa necessidade de convívio, de aprendizado e significação da vida mesmo. No livro “Humanidade, uma história otimista do homem”, Rutger Bregman fala muito sobre isso.
Enfim, alimentado o “homem”, dá-se sobrevida ao corpo físico. As esferas emocionais, mentais, espirituais (propósito) e sociais ajudam a atribuir e construir sentido - direção e significado - à vida.