Tio FlávioPalestrante, professor e criador do movimento voluntário Tio Flávio Cultural.

Queria ler e escrever

04/02/2021 às 18:02.
Atualizado em 05/12/2021 às 04:06

Nascida em Conselheiro Lafaiete, na Região Central de Minas Gerais, Maria da Conceição Paulo não teve uma infância de estudos e brincadeiras. Desde os 5 anos ela trabalhava na roça, carregando troncos, manuseando uma enxada ou servindo água para os adultos, trabalhadores rurais.
Aos 12 anos de idade, órfã de pai e mãe, se mudou para Belo Horizonte, sem saber ler e nem escrever. Foi criada em casas de famílias sem ter a sua própria casa e nem pertencer a alguma família.

Pretinha, como é carinhosamente chamada por todos, aprendeu a ler e escrever aos 51 anos e hoje, aos 76, os cadernos de poesias escritas por ela são o seu tesouro, que fazem parte da sua vida e é uma das maneiras que tem de contar, através daqueles escritos, como se sente livre. 
Ela atualmente mora no bairro Alto Vera Cruz, em BH, e integra o grupo de mulheres cantoras “Meninas de Sinhá”, que encanta em suas apresentações musicais e que desperta a nossa memória afetiva, nos permitindo viajar a um tempo de acolhimento, carinho, aconchego, cuidado uns com os outros.

Mãe de três filhos e avó de 14 netos, Pretinha nutre uma gratidão pela vida. Lembra dos períodos difíceis, dos maus-tratos que teve em casas onde morou, do preconceito sofrido por ser mulher, órfã, negra e “sem leitura”. Mas, otimista, alegra-se com tantas boas experiências vividas, com as histórias de atuação em projetos sociais, que a encantam, com a participação no Meninas de Sinhá, que até proporcionou-lhe, junto às demais idosas, uma viagem para se apresentar na Polônia.

Agora a nossa cantora realiza um grande sonho, o de publicar um livro com algumas das poesias escritas em seus cadernos no decorrer de mais de dez anos, que foram selecionadas e resultaram na obra “Jardim de rosa-palavra”, da Páginas Editora.

“O sonho de uma menina era estudar, mas a mulher que a criava só a fazia trabalhar”. Assim, Pretinha traduz a dificuldade que viveu até mesmo para conseguir ter acesso ao que toda criança precisa: amor de uma família, brincadeiras com amigos e estudos para a vida.

“O tempo foi passando e a menina bem mais velha não tinha esquecido seu sonho de estudar, ganhou um lápis quebrado e caderno rasgado escrito algumas vogais. Que alegria ficou, serviu para a vida toda um sonho que ela conquistou”, completa, numa das poesias.

No livro, Pretinha dá voz à consciência negra em poemas como “Lembrança”: “Não temos mais donos/somos nossos próprios donos” e em “A raiz dos negros”, mas ela também gosta muito de falar sobre o amor, amizade, paz. Prefere relembrar o lado bom da vida e não viver de lamentações.

Aprender a ler e escrever, ainda mais na fase adulta, é um sonho libertador. Lembro uma vez que criamos um curso de alfabetização para alguns funcionários de uma universidade em que eu trabalhava. Ainda me é nítido na memória o choro de alguns homens e mulheres que puderam, pela primeira vez, fazer um recado e assinar seu nome. Os primeiros recados sempre eram para os filhos e pessoas queridas, numa mensagem de carinho e de agradecimento.

A gratidão deve vir mesmo é da gente, direcionada a tantas pessoas, sejam professores alfabetizadores, familiares que apoiam e alunos como a Pretinha, que sabem muito bem a dificuldade de sentar-se numa cadeira, empunhar um lápis de madeira, diariamente, para aprender desde o início, letra por letra, as “primeiras escritas”. Porém, quando aprendem, usam essas palavras para nos comunicar belezas que são para nós como um presente.

Informações sobre o lançamento do livro “Jardim de Rosa- Palavra”, de Pretinha: marketing.paginaseditora@gmail.com.

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