A banda Titãs surgiu na década de 1980, em São Paulo, formada por colegas de uma escola particular que se uniram incialmente em nove pessoas, sendo que seis eram vocalistas.
Entre altos e baixos em sua carreira, como na de qualquer outra banda ou artista, um golpe muito forte sofrido por eles foi a morte de um dos componentes do grupo, o guitarrista Marcelo Fromer, que foi atropelado por uma moto aos 39 anos de idade, enquanto atravessava uma avenida próxima à sua casa, no dia 13 de junho de 2001.
O documentário “Bios: vidas que marcaram a sua”, lançado em 2022, relembra os 40 anos de carreira dos Titãs, com muita história, inclusive contextualizando o lançamento de algumas músicas com acontecimentos da época e mostrando a motivação para que uma letra fosse ou não usada por eles.
Em 2002 a música “Epitáfio” foi lançada. No documentário, os Titãs dizem que muita gente a associou à morte do amigo Fromer, mas que ela já estava pronta e teve um sentido ainda maior a partir deste triste acidente.
Epitáfio é também o nome que se dá à frase que sinaliza os túmulos em cemitérios. A música representa as queixas tardias de ter perdido o tempo com o que não devia.
Há uma linda filosofia na música, que em sua primeira estrofe lamenta de não ter visto o sol nascer e no decorrer da letra vai trazendo outros tantos arrependimentos, que são inúteis após a morte. Em uma determinada parte a letra alerta que devia ter visto, mais vezes, o sol se pôr. Nesta história do nascer e do pôr do sol mora uma equivalência com a vida. Mas entre o nascer e o morrer, a música apresenta muita coisa para se fazer.
O livro “Tudo bem não estar tudo bem”, da Megan Devine, reafirma o que eu já tinha aprendido: não há como comparar dores. Dores são individuais, cada um sente com uma intensidade, manifesta de uma maneira. Uns, quando perdem algo ou alguém, se fecham por um tempo, outros se dedicam a uma causa voluntária achando, por vezes, que daquela forma podem preencher o “vazio” que ficou, outros comem excessivamente ou voltam para um vício antigo. Cada um reage de uma maneira.
Mas, Devide, que é psicóloga e especialista em perdas e lutos, diz que há perdas que carregam em si mais intensidade. Uma família que tem um parente muito debilitado ou com uma doença em fase terminal já pode estar mais “preparada”, pelas circunstâncias, do que uma mãe e um pai que perdem um filho num acidente ou numa morte súbita.
Ao ser anunciada a morte da Marília Mendonça, em 5 de novembro de 2021, houve uma comoção coletiva, por ela ser uma pessoa pública e pelo contexto da morte, num acidente aéreo, em que ela estava indo para um show e tinha postado um vídeo nas redes sociais, minutos antes de embarcar. A roupa que a vestia no vídeo ficou na mente de quem assistiu ao resgate do corpo da artista.
Muitos lamentavam por ela ser tão jovem e é de se entender este argumento, apesar de que em lugar algum está dito que os jovens morrem depois dos velhos, mas sei que “acreditamos” ser essa uma “sequência natural”.
No caso da Gal Costa, que morreu em 9 de novembro de 2022, quase um ano após a Marília Mendonça, com quem ela gravou a canção “Cuidando de Longe” os fãs também foram pegos de surpresa. O noticiário anunciava a sua morte e ninguém conseguia acreditar.
Uma semana depois, o único filho da Gal Costa, que sempre se manteve e foi mantido bem discreto em relação à mídia, apareceu numa entrevista, muito bem conduzida pela repórter Ana Carolina Raimundi, no programa Fantástico, da Rede Globo. Ele disse que tinha dimensão da importância da Gal como mãe. Sabia, logicamente, da sua fama, mas nunca imaginou uma comoção tão grande. Ele disse que se questionou do porquê abrir o velório ao público, já que é algo tão íntimo, mas foi no dia do velório, e ao conversar com uma pessoa próxima, que ele conheceu a força dos fãs, que acompanham a sua mãe antes mesmo dela o ter adotado, aos dois anos de idade.
De uma maneira tão serena e lúcida, Gabriel Costa, de 17 anos, disse: “Acho que eu não aproveitei muito a presença da minha mãe aqui. Quando eu chegava em casa, eu não ficava muito tempo ali sentado com ela e com minha madrinha conversando. Eu ia direto pro meu quarto. Eu ficava jogando, via uma série. Acho que eu devia ter aproveitado mais”, conclui, não com ar de culpa ou o peso do remorso, mas como pura constatação mesmo.
Que mãe e filho viveram momentos intensos, não tenho dúvidas. Mas o Gabriel nos lembra daquilo que na teoria sabemos e na prática esquecemos: “é preciso saber viver”. E saber o que é “saber viver’ é individual, assim como a dor da perda. Há perdas que não saem nos jornais. Há choros que são bem íntimos.
Escrevo este texto no fim do dia em que o noticiário anuncia outra triste perda que provocou uma comoção coletiva. Ícone do vôlei, Isabel Salgado morre aos 62 anos. Um dia antes sentiu uma dor, na madrugada foi internada num CTI, vindo a morrer de uma bactéria rara que se alojou em seu pulmão e que ela nem sabia.