Metade do ano de 2018 tinha passado e eu estava no auge das minhas viagens pelo interior de Minas Gerais. Tinha marcado uma palestra com pessoas privadas de liberdade em um dos presídios de Montes Claros (MG) no turno da manhã e com jovens aprendizes do Senac no turno da tarde.
Na noite anterior, já no hotel, dormi mal. Uma indisposição muito grande, ânsia de vômito. No dia seguinte dispensei até o cafezinho do hotel, o que já era um sinal de que eu não estava nada bem, já que amo café.
Dei as palestras tomando água de coco e concentrado no que eu fazia, torcendo para dar conta de falar cerca de uma hora e meia em cada local. Naquela tarde eu me deitei e consegui dormir.
No dia seguinte eu deveria estar numa praça da cidade para pegar um ônibus para Francisco Sá, nas “proximidades” de Montes Claros. Eu daria duas palestras num presídio tido como de segurança máxima, chamado de RDD - Regime Disciplinar Diferenciado.
Ao chegar à unidade falei aos diretores que estava indisposto e eles acionaram um preso que cuidava da horta. Aquele senhor trouxe dois tipos de boldo e me ensinou a macerá-los. Tomei e deu uma amenizada. Aquele dia seria intenso, pois eu ficaria dois turnos na unidade, uma vez que o acesso era por estrada de terra e eu fui e voltaria no ônibus dedicado aos trabalhadores do sistema prisional.
Só tenho na lembrança que a estrada de terra entre Francisco Sá a Montes Claros era infinita. A cada sacolejada eu ameaçava colocar as vísceras pela boca. No mesmo dia viajei de ônibus convencional para Belo Horizonte.
Sabe aquela esperança de as coisas resolverem por si próprias? Pois eu sou assim e, por isso mesmo, resolvi aguardar a melhora, tomando uns e uns chás caseiros recomendados por amigos.
Naquela mesma noite pedi a um amigo para me levar ao pronto socorro – eu tenho dois amigos que são os que enfrentam os hospitais comigo. Fui atendido, fiz uma bateria de exames e tive que ficar aguardando o resultado. Já de madrugada o médico me chama e anuncia: “você tem que ser internado para que amanhã, possivelmente, passe por uma cirurgia”. Ele falava, falava e eu já em estado de desespero o tinha abandonado ali para fugir, via pensamentos, para o desdobramento daquela notícia. Eu saí de casa achando que o médico me daria uma receita, eu passaria na farmácia, tomaria o remédio indicado e seguiria minha vida. Mas, não. Ele queria me internar. Essa palavra é, para mim, pesada, não a esperava.
Retomei a consciência e perguntei: eu tenho a opção de não aceitar? Ele disse que sim e explicou que quanto mais tempo passasse, pior poderia ser.
Hospital não é o ambiente mais familiar para mim. Eu não sei nada de rotina hospitalar e em meus registros cerebrais, internar é sinônimo de gravidade.
Fui para casa e no outro dia apresentei meu programa semanal na rádio. De lá corri para um presídio em São Joaquim de Bicas, onde encerraríamos um campeonato de Futebol. Saí de lá no início da tarde e fui direto a um outro pronto socorro. Como dizem por aí, temos que ouvir outras opiniões, né? Clínico geral, novos exames, consulta com um cirurgião, que sentencia: “tudo indica que seja vesícula. Temos que fazer outros exames mais conclusivos e, enquanto isso, você já fica aqui. Ligue para alguém trazer seus pertences e ser for caso de cirurgia, em poucos dias você estará em casa.”
“Dias?”, como assim dias? Eu tenho duas palestras amanhã, dou aula a noite numa turma que assumi semana passada, tenho compromissos e no fim de semana a agenda está cheia de eventos voluntários. Comecei a contar para o médico sobre os grupos de voluntários que eu conduzia, numa tentativa de conquistar a sua compaixão para esta “alma caridosa”. Iniciei, sem perceber, minha barganha com Deus. De nada adiantou.
Depois de dois dias descobriram que não era vesícula. Saí dos cuidados do cirurgião e fui para o da equipe gástrica. Aguardei para saber que era hepatite e mais uns dias para descobrir que era do tipo A.
A hepatite me deixou amarelo, com a urina ferrugem, tomando soro e, depois, quatro litros de água diariamente. Conheci as “bilirrubinas”, suspendi a ingestão de gorduras, parei de tomar vinho ou outro tipo de álcool (e me mantenho assim até então). Foi ela, também, que acrescentou conhecimento empírico naquilo que o Gonzaguinha já cantava há tempos em “O que é, o que é?”, nos convidando a entender que a vida é a “beleza de ser um eterno aprendiz”. Às vezes é preciso uma sacudida, pequena que seja, para os sentidos se conectarem.