Tio Flávio*
Ao redor de uma grande mesa, convidados se apresentavam e falavam rapidamente do trabalho que desenvolvem em suas comunidades. A cada fala, uma potência de ideias, ações e humanidade. Ali a gente sabia que tinham líderes que passam por inúmeras dificuldades todos os dias, pessoais e diante do seu compromisso social, mas, naquele momento, os olhos brilhavam ao falarem dos avanços de cada projeto.
A música sendo um instrumento de conexão com os adolescentes; a poesia vinda de um palhaço, que inspirava crianças a também escreverem seus versos e a sua própria história; uma mulher negra, como a maioria ali, que usa o café como resgate da ancestralidade e outra que hoje é psicóloga e consegue democratizar o acesso ao auxílio profissional para o cuidado com a saúde emocional e mental de pessoas em vulnerabilidade social no território onde vive.
Um dos participantes daquela manhã é professor e criou um método de educação, o outro é um incansável músico e seu projeto, no Morro das Pedras, em BH, é uma referência nacional. Uma profissional que apoia mulheres a se encontrarem na vida pessoal e no empreendedorismo, outro que é barbeiro e ensina este ofício a tanta gente.
Todos que estavam ali teriam seus depoimentos gravados pela equipe da Antenados Produtora, que faz parte do reconhecido projeto social Ramacrisna. A ideia era ter o máximo de qualidade na captura de imagem e som para que aquelas vozes fossem ouvidas por várias pessoas nas dependências do Palácio das Artes, durante um evento que se tornou um marco da capital mineira: o TEDxBeloHorizonte.
Samuel Duarte, um dos organizadores daquele encontro, numa manhã quente de sábado, disse que um fato que o marcou muito foi quando perguntou aos amigos do bairro onde mora se algum deles já tinha participado dos eventos presenciais realizados pelo TEDx ou assistido virtualmente algumas das diversas palestras que acontecem em todo o mundo e abordam um sem-número de assuntos. Ele, animado com aquela fonte inesgotável de conhecimento, levou um susto ao perceber que as pessoas nem ao menos sabiam do que se tratava. Com tantos temas trazidos por diversos palestrantes, estima-se que desde que foi lançado, em 2009, o TEDx tenha realizado 3.600 eventos mundo afora, com mais de 20 mil ideias de impacto disponíveis para quem quiser.
E foi este o ponto que eu imediatamente levantei, na minha hora de fala, naquela reunião com cerca de quinze pessoas: “as palestras estão disponíveis para quem quiser mesmo? Podíamos pensar em levá-las ainda mais além, a quem quer e não pode. Usar o conhecimento do TEDx para impactar pessoas que estão privadas de liberdade, em unidades prisionais”.
“Olha isso, a gente tem que chegar nas pessoas, elas precisam conhecer estas histórias que inspiram, falam da realidade, são um combustível para a criatividade, autoconhecimento e mudança de trajetórias”, pensamos juntos.
A equipe do TEDxBeloHorizonte disse que pensaria em uma forma de viabilizar esta ideia, mas o evento seria num sábado à tarde e como fazer com que os custodiados fossem tirados de suas celas, levados a um ambiente propício para que assistissem, via televisão, uma programação riquíssima que estaria acontecendo ao vivo no icônico Palácio das Artes?
Dias depois o Samuel me sinaliza que a direção do evento autorizou e que aquela ideia agora seria parte integrante de algo gigante: vamos chegar em quem não pode estar ali, presencialmente, no dia do TEDx. Vamos fazer estas ideias que emocionam, motivam e libertam atravessarem muros e grades.
Conversei com a Tatiana Faria, Diretora Geral da Fraternidade Brasileira de Assistência aos Condenados (FBAC), que é responsável pela aplicação da metodologia Apac, nascida no Brasil há 50 anos, mas já presente em várias localidades mundiais. A equipe pedagógica da FBAC nos auxiliaria no contato com as unidades, levando em consideração que os recuperandos, nome dado aos custodiados, trabalham e estudam o dia todo das segundas às sextas-feiras, inclusive com aulas à noite em algumas unidades, continuando as atividades no sábado de manhã. No domingo recebem as visitas familiares, sobrando-lhes apenas o sábado à tarde para lavarem roupa, realizarem alguma atividade de organização do seu espaço de cumprimento de pena, etc.
Eu sabia que sábado à tarde não era um bom dia e horário, mas levar o TEDx para uma unidade prisional era algo tão necessário, que tentaríamos. A surpresa foi saber que mais de 12 Apacs, em vários estados, aceitaram o convite e estariam conectadas, ao vivo, àquele evento.
No dia do TEDxBeloHorizonte, no palco principal, Grazi Mendes, uma professora sensível às causas sociais, manda um abraço a todos aqueles participantes virtuais. Do outro lado da tela, o orgulho de terem acesso a algo tão inspirador. As fotos que foram chegando de cada Apac retratavam homens e mulheres sentados diante de uma televisão, com caderno e caneta na mão, anotando tudo que podiam.
Eu não tenho dúvidas que o conhecimento nos liberta e nos resgata da ignorância, dissipando conceitos pré-concebidos e ampliando perspectivas.