Um grupo bem animado de mulheres já esperava, do lado de fora da porta, o horário da permissão para entrarem no shopping. Entusiasmadas, elas mais confraternizavam do que aguardavam.
A entrada delas é preferencial: dez minutos antes de qualquer cliente entrar, a permissão é dada para que possam se dirigir ao piso do estacionamento, onde foi montada uma estrutura com sala de aula, sala de atividades multiuso, banheiro e uma bancada de cozinha.
Quando o porteiro do shopping autoriza a entrada, elas seguem conversando. Muitas com calça esportiva e tênis, todas ainda de máscara e no peito ostentavam um crachá, pendurado por uma cordinha. De longe era possível ver uma onda de cabelos brancos tomando conta dos corredores.
No elevador elas falavam do retorno às atividades, das amigas que têm mais idade e que são ativas, do uso das tecnologias de comunicação, como os aplicativos para se manterem conectadas.
Antes de entrarem no local do evento propriamente dito, umas cadeiras foram colocadas como sala de espera, voltadas para a porta do salão de eventos. Elas se sentaram como se tivessem num teatro.
Eu entrei, cumprimentei as organizadoras, conheci o ambiente onde falaria para aquelas senhoras e alguns senhores, a maioria moradores do entorno do shopping que há mais de dez anos frequentam o projeto “Melhor Cidade”, idealizado pelo Shopping Cidade, em Belo Horizonte, para a população 60+. “Aqui só pode vir se tiver mais de sessenta”, me afirma com orgulho um dos homens que mais interage no grupo. Ele participa desde o início e coleciona as camisas do projeto, já que há uma nova a cada ano.
Tristes por terem parado os encontros por dois anos, em função da pandemia, ninguém ali escondia a alegria do retorno.
Ao serem liberados para entrarem no salão, os participantes vêm com a mesma animação. Se cumprimentam, conversam e são convidados para tomarem um café com pão de queijo. O cheiro do café invade o local e não há quem não goste.
A loja “Lá no Mercado” participará de todos os “Cafés Filosóficos”, que acontecerão quinzenalmente, ofertando o cafezinho com os quitutes para animar ainda mais o encontro.
“Vamos sentar, pessoal?”, anuncia uma das participantes, já dando a dica de que o momento “gourmet” daria uma pausa para que iniciássemos a “palestra”.
A disposição das cadeiras em círculo permitiu um ambiente mais interativo. No fim da minha fala, e o retorno ao cafezinho, vários abraços e muitas histórias. Ao meu lado uma senhora que andava com o apoio de uma bengala, estava sentadinha, de cabelos brancos e blusa de frio, deveria ser a de maior idade entre elas. Uma pessoa que só de olhar já nos remete ao cuidado, carinho, atenção que muitos de nós tivemos na infância, na casa dos avós, já despertando as minhas melhores memórias afetivas.
Uma outra chega perto de mim e conta que este não é, historicamente, o melhor dia da vida dela. Há 21 anos, naquele dia e mês, ela perdeu um filho. Hesitou em ir ao encontro, mas foi. Agradeceu por ter ido. Ela, cabelos brancos, sorriso fácil, chorava com saudade e com alívio, num ambiente em que discutíamos sobre a “dor”, mas sobre o “amor” também. Se ficasse em casa o sofrimento seria um castigo. Ali, para ela, foi uma reflexão e um agradecimento “pelo tempo que passou com o filho”, afirmou convicta. Pedi um abraço e ela chorou, me fazendo rir ao dizer: “eu sou emotiva assim mesmo, choro até em inauguração de supermercado”.
As trocas foram tão gostosas que eu me senti como os próprios participantes se sentem ao irem ao Melhor Cidade, compartilhando de um espaço que não é um “gueto etário”, mas um ambiente de acolhida, de relacionamentos, de trocas diversas.
Logo após a minha fala e uma outra rodada de café, tem início a aula de ginástica. Por isso que muitas delas já foram com a calça esportiva e tênis. Estas atividades compõem o escopo do Melhor Cidade, que ainda tem sessões de cinema, rodas de conversa, aula de yoga, jantares e tantas outras possibilidades de interação e valorização do convívio social.
“Eu sou tão grata pela vida. Sofri muito, não posso negar, mas também não tenho como esconder que fui e sou feliz. Tenho meus problemas de saúde, como todo mundo tem e terá, e tenho uma família que me ama. E este amor me sustenta”, me confidenciou uma das participantes, ao saber que algumas ações daquele grupo seriam voltadas para a integração com pessoas em instituições de longa permanência para idosos.
Como disse Walter Franco, “Viver é afinar o instrumento, de dentro pra fora e de fora pra dentro, a toda hora, a todo momento”.