Uma amiga me mandou uma mensagem nas redes sociais dizendo que estava se desfazendo de alguns pertences do seu marido, falecido recentemente em virtude da Covid. Há menos de um ano ela também já tinha perdido a mãe e um irmão.
Fiz contato com algumas instituições que poderiam utilizar as doações e a agradeci pela iniciativa. Dias mais tarde ela me conta que queria desfazer de mais objetos da casa, pois eram coisas demais para aquele ambiente que ficou muito grande só para ela e, ao mesmo tempo, muito vazio em relação às pessoas que haviam partido.
Fui buscar algumas doações e quando ela abriu a porta, com um sorriso no rosto para me receber, foi só a gente iniciar a conversa que ela “desabou” a chorar. Ela está vivendo um período de múltiplos lutos.
A notícia mais recente era a de que o irmão caçula, forte e cheio de vida, havia sido intubado e estava muito mal. Antes do procedimento médico ele disse à médica, esperançoso: “até junho”.
Ao ouvir as histórias ali, na cozinha da minha amiga, fomos relembrando que ela e o marido tiveram Covid, sendo que ela se recuperou e ele não resistiu, deixando-a com muita saudade, mas falamos de tanta coisa que eles viveram juntos, tantas viagens, jantares, alegrias.
Ao vê-la daquele jeito, na minha frente, chorando, e ao menos sem poder abraçar, só na troca de olhares e de algumas palavras, saí muito pensativo no tanto de dor que muita gente tem passado.
Pouco tempo depois, no primeiro dia de junho, vejo a postagem no Instagram dessa amiga, comunicando que o irmão caçula também havia morrido. É uma dor que só quem passa por esse momento sabe relatar. Essa sequência de perdas abala qualquer pessoa, que muitas vezes nem acabou de viver o luto de um ente e já cai em outro.
O luto é um momento em que cada pessoa reage de uma forma, vivencia do seu jeito, no seu tempo. Pode durar alguns dias, como até mesmo anos. A pessoa pode querer se isolar ou preferir estar próxima de outras que a façam bem, mas no momento em que o peso começa a ficar maior do que a capacidade de suportá-lo, é importante procurar uma ajuda, seja de um profissional especializado ou, até mesmo, de um grupo de apoio.
Temos que nos lembrar sempre que não há métrica para dor. Isso não se mede e, por esse motivo, não se deve comparar com alguém que passou mais rápido pelo luto, pois o martírio e a cobrança podem ser piores.
Há menos de dois anos conheci a psicóloga Gláucia Tavares, autora dos livros “Do luto à luta” e “E a vida continua...” e coordenadora da Rede API – Apoio às Perdas (Ir)Reparáveis, que foi criada há mais de 20 anos, justamente após a perda da sua filha.
Numa entrevista que fiz com ela, Gláucia disse algo que guardo até então, que foi mais ou menos assim: não há superação de perdas quando se trata de uma pessoa querida. Nós readequamos a nossa vida, mas não superamos.
Ao fazer as doações para os projetos sociais, minha amiga disse que estava encontrando ali um vigor, ao pensar que aquelas coisas ajudariam tantas pessoas e que esse ato, por mais simples que fosse, ajudava-a também a lidar com o seu momento.
A Gláucia Tavares fala que estes tipos de doações de pertences de alguém que morreu são uma maneira para agir frente ao luto e sair dele, mas “há de se tomar cuidado para não fechar essa possibilidade como única opção”. Por isso mesmo é que é muito importante que a pessoa busque ajuda, inclusive das redes como a API, reconhecidamente séria e que respeita cada pessoa, o seu tempo e a sua dor.