SÃO PAULO – Fora do eixo de grandes centros de saúde das capitais, hospitais de referência da rede SUS (Sistema Único de Saúde), no interior do estado de São Paulo, destacam-se como polos de atração de pacientes vindos de todos os cantos do país. Essas pessoas viajam em busca de tratamentos médicos para doenças como câncer, deficiências auditivas e fissuras no lábio e no palato - céu da boca.
O trabalhador rural Raimundo Soares de Sousa, 63 anos, por exemplo, há dez anos percorre mais de 3 mil quilômetros para tratar uma leucemia. Ele viaja de Fortaleza (CE), onde vive, até Jaú, cidade localizada a 320 quilômetros de São Paulo. O município tem a mais antiga entidade filantrópica de assistência à saúde do país, o Hospital Amaral Carvalho. “Em 2015, completamos 100 anos”, disse Antonio Luís Cesarino, diretor superintendente do hospital.
Especializada em oncologia, a instituição tem como diferencial o grande volume de cirurgias – em média, são realizadas 80 por dia – e transplantes de medula óssea. Por ano, são feitos 220 transplantes desse tipo, uma intervenção complexa. De acordo com Cesarino, 70% desses transplantes são alogênicos, ou seja, feitos com células progenitoras de alguém sem parentesco. “Este procedimento é ainda mais complexo”, explicou.
A entidade responde por 40% dos transplantes de medula óssea feitos no estado e por 23% dos que são realizados em todo o país. Por ano, são tratados 80 mil pacientes de todas as idades, nos 300 leitos, atendidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
O hospital oferece, além disso, casas de apoio, que hospedam gratuitamente seus pacientes e ainda fornecem alimentação. Segundo o diretor, a iniciativa reduziu a zero a taxa de abandono do tratamento, um grande problema enfrentado pelos outros hospitais do estado, onde essa média está em torno de 16%.
“Uma das piores coisas que acontecem no câncer é o abandono do tratamento, às vezes, por falta de condições [financeiras] do paciente. Então, você imagina o paciente em tratamento ambulatorial no hospital, que vem de longe, e não precisa ficar internado, mas precisa comparecer ao ambulatório durante 15 ou 20 dias. Não são todos que podem pagar, na melhor das hipóteses, de R$ 50 a R$ 60 por dia em pensão, além da alimentação”, disse o superintendente.
Um desses beneficiados é o seu Raimundo. Para o tratamento da leucemia, ele passa por atendimento a cada três meses no hospital de Jaú. Lá, ele recebe hospedagem nas casas de apoio, além de cinco refeições diariamente. “Tenho atendimento de pessoas especializadas, eu só tenho a agradecer a maneira como me tratam e a delicadeza de todos”, disse ele.
A 50 quilômetros de Jaú, no município paulista de Bauru, um hospital universitário de referência internacional, o Centrinho-USP (Universidade de São Paulo), faz tratamento de fissuras no lábio e no palato, além de corrigir síndromes relacionadas e de deficiências auditiva e visual.
Regina Célia Bortoleto Amantini, superintendente do hospital, explica que pacientes com fissuras labiopalatinas, o chamado lábio leporino, já nascem com essa anomalia. Segundo ela, o problema, que atinge um em cada 650 habitantes, deve ter o tratamento iniciado no recém-nascido, com apenas 3 meses de idade. “Devido a essa alteração, são feitos vários procedimentos cirúrgicos, às vezes, até 20 cirurgias, depende de cada caso”, disse ela.
João Pedro Lira Ribeiro, de 17 anos, fez o procedimento cirúrgico de correção aos 4 meses de idade. No entanto, segundo ele, a cirurgia realizada na sua cidade, Manaus (AM), não foi bem-sucedida. Com 12 anos de idade, recorreu ao Centrinho, para onde viaja a cada dois meses. Após mais de dez cirurgias, o estudante de cinema faz agora apenas o tratamento dentário e já tem data programada para a última cirurgia, prevista para 2021.
“O hospital é um grande modelo a ser seguido. Era importante que houvesse projetos em outros estados, que fizessem mais parcerias com universidades federais, principalmente no meu estado, o Amazonas. O Norte é uma parte deficiente do Brasil, que precisa muito de investimento nessa área”, disse João. “Tem muita gente que não vem para cá [Bauru] por medo, por não querer sair do estado, por ser longe. Não vem para cá porque é outro mundo, acho que seria importante a expansão dessa rede”, acrescentou.
No Centrinho, os pacientes não fazem apenas as cirurgias de correção, recebem acompanhamento com equipes de dentistas, fonoaudiólogos, nutricionistas, enfermeiros, psicólogos, pediatras, geneticistas, fisiologistas, otorrinolaringologistas, fisioterapeutas e terapeutas ocupacionais. São atendidas, em média, 289 pessoas por dia, vindas de quase 4 mil cidades diferentes do país.
Na área auditiva, o hospital, que existe há 46 anos, demonstra sua capacidade para a inovação. No ano passado, o Centrinho fez uma cirurgia inédita no país. Um paciente de 18 anos, com orelha malformada, recebeu uma prótese cirurgicamente implantável de orelha média e nos dois ouvidos. Segundo Regina, desde então o hospital tornou-se o único do país a realizar o procedimento gratuitamente. “Não tem em nenhum lugar no SUS, tanto que o aparelho não é pago pela tabela do SUS. As próteses foram adquiridas por meio de órgão de fomento”, explicou ela.