Polarização extrema fecha eleitores em 'bolhas' e elimina debate político, aponta tese

Lucas Simões
28/06/2019 às 20:28.
Atualizado em 05/09/2021 às 19:19
 (ARQUIVO PESSOAL)

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Passagem de 2015 para 2016. Enquanto a ex-presidente Dilma Rousseff sofria o segundo processo de impeachment da história do Brasil, o país se dividia em lados antagônicos, sem brechas para ponderações. Analisando esse cenário, a pesquisadora Roberta Coeli, da UFMG, identificou as chamadas “câmaras de eco” formadas entre eleitores e políticos a partir das redes sociais. Um cenário que se aprofundou dia a dia até hoje, calcado em um fenômeno capaz de tornar opiniões mais intolerantes dentro de bolhas ideológicas nas redes e que acomete mais da metade das pessoas que dizem se informar pela internet.

Na pesquisa “Polarização Política e o Impeachment de 2016: uma análise de dados reais e de mídias sociais”, a pesquisadora do Departamento de Ciência da Computação (DCC) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) quantificou um cenário perceptível há pelo menos três anos na seara política do país: a polarização extrema, inicialmente formada com a divisão entre apoiadores e críticos do processo de impeachment, a partir de dois campos políticos principais, sendo um associado ao Partido dos Trabalhadores (PT) e outro ligado ao PSDB, principal pivô do processo de declínio do governo Dilma. E que hoje se desdobra em uma batalha política entre a esquerda, ainda liderada pelo PT, e o recém-popularizado PSL do presidente eleito Jair Bolsonaro.

A pesquisa parte da análise de mais de 80,5 milhões de mensagens disparadas no Twitter por cerca de 700 mil eleitores em todo o país e da posição nas votações de mais de 90% dos deputados federais, entre 2015 e 2016. Em uma análise geral, a partir desse cruzamento de dados, a pesquisadora notou que o efeito da câmara de eco está presente em mais da metade da população. 

Segundo dados do IBGE, pelo menos 56% das pessoas que se informam por meio de canais digitais do Facebook, Twitter e WhatsApp mudaram para pior a opinião sobre determinado parlamentar ou partido político. Ou seja, vivenciaram exatamente o efeito das câmaras de eco identificados pela pesquisa.

“A câmara de eco acontece quando você bloqueia conteúdos que não quer ver nas redes. Ou seja, é um processo pelo qual você reforça a sua ideia lendo e debatendo com opiniões similares às suas. Isso é forte no Brasil porque mostra o quanto nos baseamos nas redes sociais para tomar uma opinião ou posição política. E não queremos mudá-la”, diz Roberta.

Comparação

Entre os deputados federais, foram analisados 502.342 tuítes de 471 parlamentares, o que corresponde a 91,8% da Câmara Federal. Junto a isso, a pesquisadora analisou as votações em 255 sessões parlamentares sobre 50 temáticas discutidas pelos políticos em dois anos. Já entre os eleitores, foram colhidos 80 milhões de tuítes, peneirados de um universo inicial de 3,3 milhões de usuários, sendo que a base de dados foi refinada para analisar 700 mil pessoas.

Ao comparar a proliferação do extremismo político entre parlamentares e eleitores, Roberta Coeli percebeu que as discussões no Congresso tinham tendência a ser menos polarizadas quando comparadas às posições dos eleitores, mais drásticas, ainda que passíveis de mudança.

“Entre o público, quando ocorrem mudanças de opinião, são de um extremo do espectro político para o outro. Não há meio-termo, não há ponderação. Já entre os parlamentares não houve essas mudanças drásticas. Apenas uma certa aglutinação de partidos já próximos ao PT, que se aproximaram mais, assim como aconteceu com o lado oposto, o PSDB. Essa é a diferença”, avalia Roberta. 

Prática restringe ações plurais de democracia e beneficiou PSL nas últimas eleições no país 

Se o processo de impeachment levou os partidos a se organizarem em dois blocos polarizados, liderados por PT e PSDB, o período eleitoral do ano passado revelou um novo ator para uma equação tão ou mais polarizada no campo político. A vitória de Jair Bolsonaro (PSL) na corrida presidencial, com uma campanha focada nas redes sociais, fortaleceu as câmaras de eco em um terreno de empobrecimento das discussões democráticas, segundo analistas políticos.

Durante o impeachment de Dilma Rousseff, ao lado do bloco petista se aglutinaram partidos como Psol, PCdoB e Rede. Do outro lado, aliados ao PSDB, estiveram legendas como PDT, PHS, SD, PSC e PSL. O partido de Bolsonaro, no entanto, assumiu rápido protagonismo nas redes durante o período eleitoral, deslocado posteriormente desses nichos.

Para o cientista político Sérgio Gadelha, professor da UFMG, o PSL acentuou um fenômeno perceptível nas redes sociais desde a vitória do presidente americano Donald Trump: um discurso de descaso com a política aliado a uma narrativa dualista de “nós contra eles”, segundo Gadelha. 

“O PSL apareceu como opção a tudo que está aí e não funcionou, com foco em combater o PT. O partido assumiu e deu legitimidade ao discurso ‘nós contra eles’, ou seja, criou uma ideia forte de que só existem duas opções no tecido político. E uma delas está correta e a outra está errada. É o terreno em que a sociedade brasileira está hoje, praticamente dentro das chamadas câmaras de eco, o que não favorece a germinação das práticas plurais na democracia. Vira uma guerra de dois lados e não um debate sobre os melhores projetos”, analisa o professor da UFMG.

Além disso, Leonardo Avritzer, doutor em Ciência Política pela UFMG, avalia que o discurso antipolítica favoreceu o surgimento de narrativas que distanciam ainda mais os eleitores das disputas travadas entre os parlamentares.

“Hoje, temos um discurso muito forte de que é necessário diminuir o número de partidos políticos, por exemplo — o que a cláusula de barreira tem feito. Só que o excesso do número de legendas não quer dizer que devemos ter uma disputa polarizada entre dois grupos e, mais grave ainda, restrita a dois grupos, sem possibilidade de flexibilização desse cenário. Pelo contrário. O debate deve ser amplo”, defende Avritzer.

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