Correspondências diplomáticas secretas obtidas pela revista "Época" mostram que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva discutiu detalhes de negócios da Odebrecht, em Cuba, com autoridades cubanas e brasileiras. Os documentos também apontam que Lula disse aos diplomatas brasileiros que conversaria com a presidente Dilma Rousseff sobre temas de interesse da construtora e do governo cubano.
Os novos documentos, divulgados na edição desta semana da revista, descrevem as condições "camaradas" dos empréstimos do BNDES à empreiteira. Segundo "Época", parte deles recebeu o carimbo de "secreto" do governo, e, portanto, só viria a público daqui a 15 anos. A maioria foi entregue ao Ministério Público Federal, que apura irregularidades nos empréstimos do BNDES.
Um dos telegramas divulgados pela revista relata conversas do ex-presidente, no ano passado, sobre as garantias que o governo cubano poderia oferecer para obter novo empréstimo do BNDES, no valor de US$ 290 milhões. Os recursos, ainda não liberados, seriam aplicados em obras de infraestrutura no entorno do Porto de Mariel, construído graças a outro financiamento do BNDES - este no valor de US$ 682 milhões.
Em telegrama, o encarregado de negócios na embaixada brasileira em Cuba, Marcelo Câmara, relata que, "em conversa reservada com o pres. (presidente) Lula", representantes da Odebrecht diziam temer um veto do Comitê de Financiamento e Garantia das Exportações (Config), órgão do BNDES responsável por aprovar empréstimos, ao novo financiamento para a empreiteira.
Para os técnicos, o Brasil poderia exigir de Cuba contrapartida por meio de "garantias soberanas", como a oferta de medicamentos para o Brasil, os pagamentos do programa Mais Médicos, o arrendamento de uma mina de níquel a uma empresa brasileira, ou a venda da produção de nafta para a Odebrecht.
Segundo os documentos, os representantes da Odebrecht relataram a Lula que a opção de venda de nafta seria a mais "factível" a ser aceita pelo governo cubano. O telegrama diz que o ex-presidente respondeu ter tratado sobre o tema com o presidente Raúl Castro, "com ênfase à opção pela venda de nafta". Lula disse também "que reportaria teor das conversações oportunamente" à presidente Dilma.
Em julho, O Globo revelou que Lula, já fora do cargo, atuou em favor da Odebrecht em Cuba e Portugal. Em abril, mostrou que Lula viajava com as despesas pagas pela Odebrecht na companhia de Alexandrino Alencar, acusado pela Polícia Federal e pelo Ministério Público Federal de pagar propina a agentes públicos. Ele seria preso dois meses depois, no âmbito da Operação "Lava Jato".
A Odebrecht foi a empresa que mais recebeu dinheiro do BNDES para financiar obras em Cuba. Entre 2009 e 2014, o banco liberou US$ 832 milhões para obras da empreiteira. Desse total, US$ 682 milhões foram destinados ao financiamento do Porto de Mariel e US$ 150 milhões, à modernização de aeroportos no país. O novo empréstimo, no valor de US$ 290 milhões, ainda está em análise pelo banco.
O Instituto Lula afirmou não ver ilegalidade no fato de o ex-presidente Lula ter defendido interesses da Odebrecht na visita ao presidente de Cuba Raúl Castro. Segundo nota divulgada neste sábado pelo Instituto, a única ilegalidade foi "Época" ter publicado documentos que, de acordo com o Instituto, deveriam ser mantidos em total sigilo, longe do conhecimento público. O Instituto não fez nenhuma menção à Odebrecht ou a Marcelo Odebrecht, preso em
Curitiba pela Operação Lava-Jato, objeto e participante das conversas e encontros de Lula em Cuba.
Segundo o Instituto, a reportagem da revista foi "ofensiva" ao ex-presidente. Para o Instituto, o fato de a conversa em que Lula trata da obra da Odebrecht em Cuba com recursos públicos administrados pelo BNDES ter sido presenciada por um diplomata "demonstra que nada de ilícito poderia ter sido tratado".
O Instituto diz ainda que "são absolutamente corriqueiros" os procedimentos comerciais e financeiros relatados pela "Época". A nota também considera normal o fato de o ex-presidente Lula fazer lobby em favor da Odebrecht: "Todos os grandes países disputam mercados internacionais para suas exportações. E que não fosse o firme empenho do governo brasileiro, para o qual o ex-presidente Lula contribuiu, talvez o estratégico Porto de Mariel fosse
construído por uma empresa chinesa, ou os cubanos estivessem assistindo a novelas mexicanas", diz a nota do Instituto, sem explicar para quem o Porto de
Mariel seria estratégico.
A nota também não cita as menções de Lula à presidente Dilma Rousseff na conversa com Raúl Castro. O Instituto conclui que a viagem de Lula a Cuba foi "um serviço prestado por ele ao Brasil".