O governo de Jair Bolsonaro ampliou o número de servidores comissionados com permissão para atribuir sigilo "ultrassecreto" a dados que antes poderiam ser obtidos pela Lei de Acesso à Informação (LAI). Chefes de órgãos ligados ao ministérios, como bancos públicos e fundações, agora também têm esta permissão.
O decreto 9.690/19, assinado pelo presidente em exercício Hamilton Mourão, foi publicado nesta quinta (24), no Diário Oficial da União e preocupa especialistas em transparência.
A classificação "ultrassecreta", que abrange informações que só podem se tornar públicas depois de 25 anos, antes só poderia ser atribuída pela chamada "alta administração": cargos como presidente, vice, ministros e comandantes das Forças Armadas.
Agora, comissionados do Grupo-DAS de nível 101.6 (Direção e Assessoramento Superiores, com remuneração de R$ 16.944,90), também têm a permissão, assim como chefes de autarquias, de fundações, de empresas públicas e de sociedades de economia mista.
Só no grupo de servidores do nível 101.6 estão 198 funcionários, de acordo com o Painel Estatístico de Pessoal, ferramenta do Ministério da Economia e Planejamento. Portanto, 198 novos autorizados a fazer a classificação de "ultrassecreto" para dados públicos. 15% deles atuam na Presidência, 5% do Ministério da Economia, 5% no Planejamento, 5% nas Relações Exteriores.
Na prática, o texto altera regras da LAI, que está em vigor desde 2012 e que permitiu que qualquer pessoa física ou jurídica tivesse acesso a informações públicas mesmo sem apresentar uma razão para solicitá-las. O decreto amplia ainda o rol de comissionados que podem tornar informações públicas grau "secreto" e "reservado".
"O decreto faz com que uma decisão que antes era muito bem avaliada tanto em aspectos técnicos quanto em políticos agora também possa ser tomada por um funcionário de escalão mais baixo e não pela alta administração", afirma Fabiano Angélico, consultor sênior da Transparência Internacional." Fica difícil para a sociedade acompanhar e dá poder desproporcional a funcionários de menor escalão. É muito prejudicial para a transparência."
Para Manoel Galdino, diretor-executivo da Transparência Brasil, o decreto traz riscos. "É preocupante porque a mudança foi feita de forma pouco transparente", afirma. "A sociedade não for informada, o Conselho de Transparência Pública e Combate à Corrupção (CTPCC), que atua com a Controladoria-Geral da União (CGU), não foi informado e isso nos preocupa, o fato do governo não dar justificativas. É um risco de que se amplie o sigilo, algo que deve ser exceção."
Em reunião do Conselho em dezembro de 2018, o ministro da CGU, Wagner Rosário, mantido no cargo pelo presidente Jair Bolsonaro, fez elogios ao órgão e disse que o governo poderia levar propostas de alteração da LAI para serem amadurecidas dentro do Conselho. A fala está registrada na ata da reunião. Ele promete mudanças na Lei, mas sem retirada de direitos.
"Devem ser propostas algumas mudanças na Lei de Acesso à Informação, mas não será nada que retire qualquer direito. São somente alguns prazos de recurso, e alguns outros detalhes, que serão apresentados na próxima reunião (marcada para março)", disse Wagner. "O CTPCC é um local muito rico de discussão, pois contempla especialistas da área pública e da sociedade civil. "
Wagner ainda sugere a criação de um grupo virtual para discussão de assuntos relacionados à transparência pelo Conselho. Ele sinaliza positivamente a uma sugestão de Tatiana Bastos, membro do Conselho Superior do Observatório Social do Brasil (OSB), que sugere "em relação às alterações que serão propostas para LAI, trazer esse assunto para ser debatido neste fórum para amadurecermos, pois lidamos com a LAI como uma ferramenta do controle social e podemos contribuir."