Como se não fosse suficiente a crise que atravessa o Brasil e atinge em cheio o setor da construção pesada, um novo elemento coloca em risco as grandes obras de infraestrutura no país, inclusive em Minas Gerais. Empreiteiras responsáveis pelas mais importantes intervenções públicas estão cada dia mais fragilizadas com as investigações da operação “Lava Jato” da Polícia Federal - três delas pediram recuperação judicial nos últimos 45 dias. No Estado mineiro, ao menos cinco importantes construções estão nas mãos dessas investigadas.
A reforma de duas das rodovias mais sucateadas e perigosas de Minas tem participação de empreiteiras envolvidas nas investigações da corrupção na Petrobras. A BR-381, conhecida como Rodovia da Morte, está sendo revitalizada pelo consórcio Isolux-Corsán/Engevix, esta última investigada pela “Lava Jato”. Ao todo, o grupo é responsável por quatro lotes da reforma (veja infografia).
Para evitar o pedido de recuperação judicial, a Engevix vendeu a Desenvix, sua empresa de energia, e tem um acordo em estágio avançado para venda da sua participação nos aeroportos de Brasília e Natal. Apesar dessas operações, a fragilidade do grupo pode impactar na participação no consórcio.
“Estamos numa situação muito peculiar. Grandes empreiteiras estão envolvidas na ‘Lava Jato’. Se parar para analisar, a declaração de idoneidade deveria ser aplicada nessas empresas. Mas, se aplicar para cada uma delas, quem vai fazer obra de infraestrutura? Há um dilema: resolver isso sem inviabilizar o crescimento do Estado”, afirma Eduardo Santos Guimarães, professor de Licitações Públicas da Fundação Getulio Vargas.
As intervenções do consórcio Isolux-Corsán/Engevix na BR-381, inclusive, ficaram paralisadas de dezembro de 2014 a abril deste ano. Segundo os responsáveis, a suspensão ocorreu por falta de pagamento do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit)), o que é um outro risco em um momento de declarada dificuldade financeira do governo federal.
BR-040
Já a reforma da BR-040 tem a participação do Grupo OAS. Como consequência do trabalho da “Lava Jato”, a OAS teve o pedido de recuperação judicial aceito pela Justiça no último mês. Dentre as estratégias apresentadas para se reerguer, está justamente a venda dos 24% referentes à fatia no consórcio responsável pelas obras na rodovia federal.
“O anúncio feito pelo Grupo OAS, com pretensão de vender sua participação na Invepar, pode representar uma mudança no corpo de acionistas das empresas, porém, não tem impacto direto no funcionamento e na gestão operacional dos ativos, que continuam a executar normalmente as obras de construção da BR-040, conforme o cronograma”, garantiu, por nota, a OAS.
Construções em BH e Ferrovia Norte-Sul também estão na mão de investigadas
Outra vultosa obra que passa por Minas e tem participação de uma investigada pela “Lava Jato” é a Ferrovia Norte-Sul, cujo projeto completo prevê uma linha que liga Pará ao Rio Grande do Sul, com uma extensão de 4,7 mil km. O lote 4 desse pacote, cuja responsabilidade é da Constran, passa por Goiás e Minas, no Triângulo Mineiro. Desde o ano passado, a Constran recebeu mais de R$ 160 milhões do governo federal referentes ao contrato.
Por nota, a construtora garantiu que suas obras “seguem os prazos estabelecidos” e que o “andamento está diretamente relacionado com o cronograma de desembolso feito pelo cliente em cada contrato”.
Em Belo Horizonte, duas obras milionárias também estão sob responsabilidade de empreiteiras envolvidas na operação da Polícia Federal. A Galvão Engenharia é responsável por uma intervenção considerada essencial para a contenção de enchentes na região do Barreiro. O grupo, a fim de restabelecer as “condições operacionais e financeiras das empresas no tempo mais breve possível” para retomar “plenamente as atividades com eficiência”, está em processo de recuperação judicial, aceito no último mês pela Justiça do Rio de Janeiro.
A construtora receberá R$ 63 milhões para realizar obras de contenção de cheias e regulação de vazão na Bacia do Córrego Túnel Camarões. As intervenções começaram em julho de 2014 e deveriam ser encerradas no segundo semestre de 2016. No entanto, a Galvão já informou que o prazo será prorrogado ao menos por oito meses porque as obras foram suspensas em novembro passado.
Foram dois os motivos: readequação de projeto e conclusão do processo de desapropriação. A expectativa da empresa é retomar as obras em julho. Até lá, as investigações da “Lava Jato” podem complicar ainda mais a situação da construtora e, consequentemente, da referida intervenção.
Já a Mendes Júnior, também envolvida nas investigações da PF, é responsável pelas obras do Boulevard III, orçadas em R$ 29,5 milhões. Iniciadas em março, as intervenções devem ser concluídas até novembro, segundo o contrato. A Mendes Júnior garante que a saúde financeira do grupo está boa e que o cronograma das obras em BH está sendo cumprido.
Recuperação judicial expõe fragilidade, diz especialista
Das empreiteiras investigadas pela “Lava Jato” com obras públicas em andamento em Minas, duas já estão em processo de recuperação judicial – Galvão Engenharia e OAS. Após ter o pedido de recuperação judicial aceito pela Justiça, a empresa tem seis meses para negociar com os credores um plano para se reerguer. Caso seja reprovado, é decretada falência. Se aprovado e não for cumprido, a falência também é decretada. No caso da OAS, o grupo espera sair dessa situação em dois anos.
“As empresas estão frágeis, não tenha dúvida. Em processo de recuperação judicial, tentam enxugar para manter todas as operações. Se cometer algum erro, pode ir à instância judicial e ter a falência decretada”, diz o especialista Eduardo Guimarães.
“Se houver decretação de falência, a empresa perde a saúde financeira. O Estado pode rescindir a empresa e contratar a execução do remanescente da obra com outra empresa. Vai abrir processo, apurar para chegar à conclusão, fazer outra licitação e aplicar sanção”, afirma a professora de Direito Administrativo do Ibmec, Juliana Picinin, especialista em licitações. Um processo completo de licitação demora, em média, entre seis e nove meses.
Mesmo com a fragilidade, Picinin lembra que as empresas ainda estão em operação. “Recuperação judicial não equivale à falência. Qualquer empresa que apresenta plano de recuperação não pode ser retirar dessas obras. Ela precisa, mais do que nunca, do pagamento pelas intervenções. Há um respiro”, diz.
A Isolux, líder do consórcio do qual a Engevix faz parte, garante que a obra está normalizada e que regulariza o pagamento das empresas colaboradoras na BR-381 conforme recebe a verba do Dnit.