O ministro Celso de Mello, decano do Supremo Tribunal Federal, gastou duas horas e quatro minutos para expor suas razões em favor da aceitação dos embargos infringentes no processo do mensalão. Nenhum dos cinco ministros que, antes dele, aceitaram ou negaram esse direito ao ex-ministro José Dirceu e a outros 11 condenados, interromperam sua exposição. Mas antes de promulgar o resultado, o presidente do Supremo, Joaquim Barbosa, anunciou um intervalo de 30 minutos.
Celso de Mello começou seu voto com a lembrança de uma coincidência histórica: exatamente 67 anos antes, no dia 18 de setembro de 1946, uma quarta-feira, foi promulgada a Constituição Federal que enterrou o Estado Novo – a ditadura de Getúlio Vargas –, e restabeleceu os embargos infringentes e a supremacia do Direito sobre a força no país.
Ciente de que seu voto não seria bem recebido pelos brasileiros que esperavam que o longo processo terminasse agora e que os condenados começassem de imediato a cumprir suas penas, Celso de Mello ponderou: se o Supremo sucumbir às pressões populares, ocorrerá “a completa subversão da garantia dos direitos fundamentais, garantidos a qualquer réu”.
Recordou ainda que, nessa fase do processo, o que se analisava era apenas a admissibilidade dos recursos, sem qualquer juízo de mérito. Isso só ocorrerá na segunda fase, em data ainda indeterminada. Primeiro, o Supremo terá que publicar o acórdão, o que pode demorar mais de um mês. Depois, os advogados têm prazo de 30 dias para entrar com os recursos. Só têm direito ao embargo infringente o réu que, durante o julgamento, teve pelo menos quatro votos inocentando-o de algum crime pelo qual havia sido denunciado pelo relator Joaquim Barbosa. O novo relator conduzirá então o novo julgamento.
É compreensível a frustração dos que esperavam, neste caso, o fim da impunidade representada, quase sempre, pelos processos judiciais que nunca chegam ao fim no Brasil. Por outro lado, atropelar o devido processo legal seria extremamente prejudicial à Justiça e à democracia.
O que deve ser feito, sem demora, é mudar as leis, para evitar que o excesso de prazos e de recursos continue protegendo os criminosos neste país, sobretudo os que se locupletam dos recursos públicos. Como lembrou Celso de Mello, em 1998, o governo Fernando Henrique Cardoso encaminhou projeto de lei acabando com os embargos infringentes, mas ele foi rejeitado por deputados e senadores.