O discurso do medo

Hoje em Dia
18/03/2014 às 07:10.
Atualizado em 20/11/2021 às 16:41

Marcha da insensatez. É como pode ser definido o chamamento, em redes sociais, das “Marchas pela Família com Deus II, o retorno”, no próximo dia 22. Seria uma tentativa de repetição das “Marchas da Família com Deus e pela Liberdade” realizadas em 1964. A primeira, no dia 19 de março, teria reunido em São Paulo 500 mil pessoas, que cantavam: “Um, dois, três, Brizola no xadrez; se tiver lugar, põe também o João Goulart”.

É bem conhecida uma frase de Karl Marx: “A história se repete, a primeira vez como tragédia e a segunda como farsa.” Há 50 anos, aquelas marchas organizadas pela direita, com apoio de setores da Igreja Católica incomodados com os rumos do Concílio Vaticano II, que acontecia em Roma, levaram a classe média às ruas de várias cidades brasileiras.

Seis dias antes da primeira, num grande comício no Rio, o presidente da República anunciara as “reformas de base”.

Que reformas seriam essas? Reforma agrária, bancária, tributária, administrativa, eleitoral, universitária e a reforma do estatuto do capital estrangeiro, para limitar remessas de lucro das multinacionais para suas matrizes no exterior. João Goulart propunha ainda nacionalizar as concessionárias de serviço público, os bancos, as seguradoras, além de ampliar o controle nacional sobre a exploração dos recursos minerais e de energia elétrica, entre outras políticas.

O presidente da República cutucava a onça com vara curta, confiante no apoio popular às suas propostas. Ele se enganou redondamente, como se enganaram os que saíram às ruas, naquelas marchas, pensando estarem lutando contra um governo comunista – ou em rápido processo de se tornar comunista – e em defesa da democracia. O que se seguiu à queda do governo, no dia 1º de abril, foi uma ditadura – a mais longa da história brasileira.

Será isso o que a maioria dos brasileiros com um mínimo de conhecimento de história deseja hoje? Como convencer essa maioria, saindo às ruas em marchas insensatas, que é melhor viver esmagado pelos tacões da ditadura do que à sombra de um governo legitimamente eleito pelo povo?

O discurso do medo foi tentado no começo deste século para tentar evitar a eleição de um candidato apoiado pela esquerda. Não deu certo: Lula foi eleito em 2002 e reeleito quatro anos depois. E elegeu sem dificuldade, em 2010, a candidata escolhida por ele, Dilma Rousseff. Nesses três períodos de governo petista, as “reformas de base” foram esquecidas. E tudo indica que assim vão continuar no próximo governo, qualquer que seja o eleito para presidir o país em outubro.

Não estamos em 1964. A presidente Dilma Rousseff, que organizadores das marchas querem ver substituída por um ditador, não tem sido ouvida pregando qualquer reforma de base. Não é sensato querer que a história se repita como farsa...

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