Cláudio Duarte perde mandato, mas caso não significa fim da impunidade na Câmara de BH

Lucas Simões
Publicado em 01/08/2019 às 19:43.Atualizado em 05/09/2021 às 19:49.
 (BERNARDO DIAS/CMBH)
(BERNARDO DIAS/CMBH)

Na sessão mais tensa da história da Câmara Municipal de Belo Horizonte, marcada pela repercussão de ameaças de morte a parlamentares e a presença de policiais armados com metralhadoras, o vereador Cláudio Duarte (PSL) teve o mandato cassado por unanimidade, ontem, por quebra de decoro parlamentar no caso das “rachadinhas”.

Esse é o primeiro caso de cassação da história da Casa, fundada em 1936, apesar de vários outros pedidos terem surgido ao longo dos anos. No entanto, a perda de mandato de Duarte não é necessariamente um “divisor de águas” na história da casa legislativa. 

Para o cientista político Malco Camargos, a derrocada do vereador do PSL se deve à pressão da sociedade em favor de um Legislativo mais transparente. Por outro lado, ele enfatiza que um parlamentar com boa articulação pode escapar de processos que visam a perda de mandato.

“Não há dúvida de que (a decisão por unanimidade) mostra duas coisas. Primeiro, a força de uma sociedade que começa a pressionar o Legislativo em relação à transparência e à Justiça, no que se refere à coisa pública. Porém, há outros casos semelhantes e até piores, mas que não tiveram o mesmo prognóstico”, relembra Camargos. 

Ele afirma que casos recentes mostram que, quando o parlamentar consegue boa articulação com seus pares, independentemente da ação cometida, consegue se manter no poder. “Em outras palavras, a pressão da sociedade só se faz valer quando a articulação no Legislativo não é bem feita”, avalia o cientista político. 

Sessão conturbada

Para a cassação de Duarte, foram 37 votos favoráveis, de 39 vereadores presentes, nenhum voto contra e nenhuma abstenção. Apenas a presidente da Casa, Nely Aquino (PRTB), e o próprio Cláudio Duarte não votaram.

Com quase quatro horas de sessão, os vereadores repercutiram as ameaças sofridas pelos vereadores Jair di Gregório (PP) e Nely Aquino (PRTB), presidente da Câmara Municipal, na noite da quarta-feira, dia 31. A segurança na Câmara foi reforçada, com presença de policiais civis armados e com apoio da Polícia Militar e da Guarda Municipal.

Nos bastidores, antes da votação em Plenário, Duarte cogitou a renúncia ao mandato para evitar a cassação. O vereador, porém, desistiu da ação e assistiu à votação em Plenário, acompanhado do advogado, Vicente Rezende.

Com a cassação, quem assume a vaga aberta na Câmara Municipal é o suplente Ronaldo Batista de Morais (PMN), presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Transporte Rodoviário de Belo Horizonte e Região (STTRBH). Pelo regimento da Casa, a Mesa Diretora tem que convocar o suplente, o que deve ocorrer nos próximos dias, segundo Nely Aquino.

Defesa

Durante a explanação da defesa, o advogado Vicente Rezende negou participação do vereador do PSL no esquema da “rachadinha” e rebateu acusações de que pessoas ligadas a Duarte teriam feito as ameaças aos vereadores.

“O vereador em nada contribuiu para isso e não participou dessa situação, que, diga-se de passagem, é um absurdo. Alguns vereadores aqui corroboram com o entendimento de que houve uma armação”, disse. “Não há qualquer comprovação dos autos de que esses saques foram repassados ao vereador. Não há comprovação do repasse desse dinheiro da ‘rachadinha’”, completou o advogado. (Com Paulo Henrique Lobato)

Familiares de vereadores foram ameaçados por WhatsApp

Às vésperas da votação que cassou o mandato de Cláudio Duarte, pelo menos dois parlamentares da Câmara Municipal relataram ter sofrido ameaças para votarem contra a perda do mandato do vereador do PSL. Segundo Jair di Gregório (PP), ele e a presidente da Casa, Nely Aquino (PRTB), foram ameaçados com áudios e vídeos enviados pelo WhatsApp.

Os vereadores acionaram a Polícia Civil e solicitaram a presença de um delegado na Câmara Municipal, ontem, para realizar um boletim de ocorrência sobre o caso. A segurança da Casa foi reforçada por equipes da Guarda Municipal, Polícia Militar (PM) e por policiais da Unidade Metropolitana Unificada de Apoio (PUMA) da Polícia Civil.

“Temos que prender os culpados. Isso é criminoso. E vamos andar com seguranças armados porque não vamos arriscar nossas famílias”, disse o vereador do PP.

Segundo o relato de Jair di Gregório, por volta das 22h da última quarta-feira, ele recebeu dois áudios pelo WhatsApp com ameaças de morte. Em uma das mensagens, um homem diz: “Quero ver você votar amanhã contra o Cláudio Duarte. Eu vou te explodir”. Ainda conforme o vereador do PP, a filha, de 17 anos, recebeu diversas mensagens obscenas como forma de intimidação.

A presidente da Câmara, vereadora Nely Aquino (PRTB), também recebeu ameaças veladas, por meio de vídeos enviados ao celular do marido dela pelo WhatsApp, pelo mesmo número que fez as ameaças a Jair di Gregório. Nas imagens, uma pessoa filma, às escondidas, o filho da vereadora, de 6 anos, na porta da escola.

Após fazer um boletim de ocorrência sobre o caso, Nely Aquino disse ter reconhecido a voz do autor das ameaças. Segundo ela, existe a suspeita de que um funcionário do gabinete de Cláudio Duarte (PSL) tenha gravado o vídeo em que a criança é exposta.

“Eu não levanto suspeitas contra o vereador, mas é de um assessor da Câmara Municipal. Reconheci a voz dele, é ligado ao gabinete do Cláudio Duarte”, disse a vereadora.

Para o vereador Mateus Simões (Novo), as ameaças não estão relacionadas apenas ao processo de cassação de Cláudio Duarte, mas também ao pedido de cassação contra o vereador Wellington Magalhães (DC), numa tentativa de minar os processo de quebra de decoro em análise na Câmara. Magalhães também é alvo de mais um pedido de cassação, acusado de desviar R$ 30 milhões do legislativo municipal.

“O vereador Wellington Magalhães é parte desse problema. Eu não tenho dúvida. Por que a vereadora Nely não vota hoje. Essa ameaça contra a vida e a família dela não tem sentido. Por que ela é presidente da sessão. Quem é que pode ser prejudicado pela Nely? Wellington Magalhães, que ainda não teve a denúncia contra ele feita. Não estamos falando de um fato isolado. Mas de uma articulação para derrubar os dois graves processos de cassação que temos na Casa”, diz Simões. 

Em Plenário, Wellington Magalhães se defendeu das acusações e atacou diretamente o vereador Mateus Simões, autor do segundo pedido de cassação contra ele na Casa. 

“Eu tenho uma filha de 2 anos e outra de 10 anos. O senhor me chamou de bandido, mas eu não sou bandido e vou te provar isso. O senhor deveria calçar as sandálias da humildade”, disparou Magalhães. 

Saiba mais

O vereador Cláudio Duarte (PSL) foi indiciado pela Polícia Civil pelos crimes de peculato, organização criminosa e obstrução de Justiça. Ele é acusado de embolsar ao menos R$ 1 milhão com o esquema da “rachadinha”, prática ilegal de confiscar parte dos salários dos funcionários, entre 2017 e 2018. Segundo a denúncia da Polícia Civil, Cláudio Duarte chegou a confiscar até R$ 10 mil do salário de R$ 11 mil de apenas um funcionário, mensalmente.

O vereador foi afastado da Câmara Municipal em 2 de abril. Ele chegou a ficar dez dias preso na Penitenciária Nelson Hungria e permaneceu fora do Legislativo por dois meses, mas continuou recebendo o salário de R$ 17,6 mil. Desde 13 de julho, após retornar aos trabalhos na Câmara, Cláudio Duarte é monitorado pela polícia, sendo obrigado a usar tornozeleira eletrônica. 


 

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