(Maurício Vieira)
A crise hídrica que o Brasil atravessa não só elevou os custos da energia elétrica, pressionando a economia e turbinando a inflação. A escassez de água, com reservatórios cada vez mais baixos, sobretudo no Sudeste e no Centro-Oeste, também tem sido objeto de polêmica. Nem todos os especialistas em energia concordam, por exemplo, com o governo federal, para o qual ainda não haveria risco de racionamento no país.
Apesar de o ministro das Minas e Energia, Bento Albuquerque, descartar seguidamente tal possibilidade, a gerente de Energia da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg), Tânia Mara Santos, é uma das muitas vozes que não compartilham totalmente de tal visão.
Tânia acredita que o perigo de racionamento é justificado. Para ela, contudo, tudo vai depender do volume de chuvas a partir do início da temporada de precipitações, agora em setembro.
O país passa por um momento crítico em relação à escassez de água nos reservatórios com reflexo na geração de energia. Como você analisa esse cenário?
A gente sabe que sem água não existe energia. Nós estamos em uma região que é caixa d’água do sistema elétrico. Estamos vivenciando a pior crise do século, com níveis alarmantes, com nível dos reservatórios inferior ao de 2001, ano do racionamento de energia.
O governo federal insiste que não há risco de racionamento desta vez. A senhora concorda?
Nós esperamos que não haja racionamento. O racionamento depende da média da chuva deste ano e março de 2022. Nesse sentido, a Federação das Indústrias enviou diversas contribuições para o Ministério de Minas e Energia no sentido de que a indústria reduza voluntariamente a sua carga para fazer adesão a esse movimento porque é interesse da sociedade que a gente passe por essa crise sem que haja um novo racionamento. Estamos fazendo esse movimento da Redução Voluntária de Demanda de Energia Elétrica (RVD).
Como vai funcionar?
Esse programa é para os grandes consumidores, que vão poder deslocar os turnos de seu consumo. No horário de pico do sistema, que ocorre no período da tarde e início da noite, a indústria pode se programar para reduzir a sua carga e produzir no período da madrugada, por exemplo. Isso vai gerar um custo para a indústria, porém o governo dará uma bonificação para aquelas que aderirem ao programa. Nesse primeiro momento serão aceitas as indústrias de maior porte, com 5 mil kw/h, os consumidores livres, os agentes agregadores, os consumidores modelados sob agentes varejistas e os denominados consumidores parcialmente livres. Uma semana antes de modificar a sua forma de operação, a indústria deve informar ao Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) que está aderindo ao programa e que terá modificações em determinados dias da semana, com uma previsão da redução no consumo de energia e por quanto tempo essa mudança será mantida. Com isso, o ONS vai informar a indústria qual será o valor da tarifa naquele horário.
Então, a indústria só vai aderir ao programa após saber o valor da tarifa, ou seja, se vale ou não a pena?
Exatamente. A indústria vai avaliar se vale a pena ou não ter um custo adicional com as mudanças de turno nos seus processos produtivos. Se não tem água, tem menos energia elétrica gerada, porque a água é usada na usina hidrelétrica para produzir energia e a água também tem os seus usos múltiplos. A medida tem caráter excepcional e temporário e é um estímulo do governo à indústria para diminuir a pressão sobre o Sistema Interligado Nacional (SIN).
E o que a Fiemg está fazendo nesse sentido?
A Fiemg começou uma campanha para alertar sobre a crise hídrica e o risco do racionamento de energia. Começamos em agosto o trabalho de conscientização, porque a energia mais cara é aquela que a gente não tem. Então, é necessário estar consciente que é preciso desligar as lâmpadas e os equipamentos que não estão sendo utilizados nas residências. A campanha não é só para as indústrias participarem, mas para toda a sociedade. Essa conscientização deve ser geral. Em relação às indústrias, a questão da eficiência energética é uma campanha de ato contínuo da Fiemg, via Senai e através dos treinamentos e dos diagnósticos nas empresas. Incentivamos também o reuso da água. Todos os processos produtivos têm a energia elétrica, a água e outros insumos. A Fiemg tem um trabalho conjunto com Senai, Gerência de Meio Ambiente e Assessoria de Energia. Todos estão aptos a dar consultoria para que as indústrias tomem as melhores decisões e tenham os melhores resultados na questão energética.
E em relação aos consumidores pequenos, como os residenciais e o próprio comércio?
A Fiemg encaminhou algumas sugestões ao Ministério das Minas e Energia e, na semana passada, foram divulgadas regras para esses consumidores. A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e o ministério anunciaram a criação de um programa para estimular os consumidores a diminuir o consumo. Quem diminuir o consumo de energia entre setembro e dezembro em, no mínimo, 10% em relação ao mesmo período de 2020 vai ganhar um bônus. O desconto será de R$0,50 por cada quilowatt-hora (kWh) do volume de energia economizado dentro da meta de 10% a 20%. Quem economizar menos que 10% não receberá bônus, e quem economizar mais que 20% não receberá prêmio adicional.
Com a energia mais cara, com certeza as indústrias vão fazer esse repasse ao consumidor. A Fiemg já tem uma projeção de quanto será esse repasse?
O brasileiro já está sentindo no bolso esse repasse por meio das bandeiras tarifárias que vêm em nossas contas de luz, desde junho o país está na bandeira vermelha 2. Isso significa que o custo da energia gerada para acender a iluminação e os equipamentos em casa já está nessa bandeira desde junho. O Brasil está operando com termelétricas desde outubro do ano passado, diminuiu um pouco em janeiro, em abril já começou a ser cobrada a bandeira amarela e em junho passou para o patamar 2. O custo de R$6 por cada 100 kWh consumidos a mais passou para R$9,49. Na semana passada, a Aneel anunciou a criação de uma nova bandeira tarifária na conta de luz, chamada de bandeira de escassez hídrica. A taxa extra será de R$14,20 para cada 100 kilowatt-hora (kWh) consumidos. Esse valor entrou em vigor no dia 1o de setembro e vai até abril do ano que vem. Por isso é preciso economizar porque se a população continuar desperdiçando energia vai faltar mesmo. A tarifa sinaliza quanto custa para operar o sistema para entregar energia para a população em geral. A intenção do governo federal é que a população economize, consumindo menos energia. Isso tudo porque o país já está usando as termelétricas. A energia gerada pelas termelétricas é mais cara do que a gerada pelas hidrelétricas. O Ministério de Minas e Energia já aumentou a estimativa do custo em relação ao uso das usinas termelétricas neste ano para R$13,1 bilhões, isso representa 45% de aumento em relação à estimativa anterior, informada em junho, que previa custo de R$9 bilhões. Só para se ter uma ideia, o custo de geração de energia em uma hidrelétrica é de R$180 o megawatt-hora (MWh), com as termelétricas, o custo chega a R$2.500 o MWh.
A energia representa cerca de 20% do custo total de um produto para o consumidor. Como será esse cálculo com esses aumentos? O consumidor já está sentindo no bolso o aumento da energia e ainda vai pagar mais pelos produtos?
É isso mesmo. Só para entendimento, 50% do custo do leite são referentes a energia; 32% do custo do frango é energia; 34% do custo da carne é energia e 1/4 do preço do cimento é energia. Se o custo aumenta na produção desses produtos, fatalmente vai ser repassado para o consumidor final. Em média, 20% do custo da energia para a indústria é energia, mas à medida que esse custo aumenta tanto, tudo isso vai direto para o bolso do consumidor.