Quando criança, adolescente vítima de estupro foi mandada para abrigo

Estadão Conteúdo
Hoje em Dia - Belo Horizonte
02/06/2016 às 08:27.
Atualizado em 16/11/2021 às 03:42
 (Wilton Júnior/ Estadão)

(Wilton Júnior/ Estadão)

A adolescente vítima de estupro já havia sido atendida, quando criança, no Centro de Atenção Psicossocial (CAPSi) da Taquara, zona oeste do Rio, serviço especializado em saúde mental e em tratamento e reinserção de pessoas com problemas de socialização. Em 2014, aos 14 anos, já mãe de um bebê de 1 ano, ela foi levada, por ordem judicial, a um abrigo destinado a jovens viciados em drogas.

"Vi que ela não ia acabar bem. A sensação que tenho hoje é de impotência", disse uma funcionária ouvida pela reportagem. Ela contou ter passado "48 horas intensas" com a adolescente há dois anos e prefere não ser identificada, com medo de traficantes. Em 5 de agosto de 2014, um oficial de Justiça conduziu a adolescente à Casa Viva, unidade já extinta de um convênio entre a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social e a ONG Viva Rio. A busca e apreensão dela havia sido decretada pela Justiça após recebimento de duas ligações com informações sobre seu comportamento.

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Os parentes acompanhavam com temor a rebeldia da menina: ela saía sozinha desde os 11 anos, frequentava bailes funk em favelas sem autorização dos pais, engravidou aos 13 anos de um traficante cujo nome não consta da certidão de nascimento do filho e largou a escola. Fugiu do abrigo dois dias depois.

A medida foi tomada depois que a garota divulgou fotos em redes sociais com armas na mão. "Ela deixava o bebê com a mãe e saía para o baile. Os vínculos familiares vinham fragilizados. O domínio sobre os pais é total: ela agredia os dois fisicamente, sabia como desequilibrá-los. A mãe tem problemas psiquiátricos; o pai é idoso e tem saúde frágil (teve um acidente vascular cerebral, que lhe prejudica a fala e a mobilidade). Ela, o irmão, de 6 anos, e o filho dela, de 3 anos, ficam no meio disso. A avó, que é professora, é a mantenedora da família", disse.
 Vanderlei Almeida/ AFP Protestos tomaram conta do país após a divulgação do estupro coletivo


Saída de vítima de estupro do Rio prejudica a apuração, diz polícia

A saída do Rio da adolescente de 16 anos, vítima de um estupro coletivo há 12 dias, está prejudicando a apuração do caso. A delegada Cristiana Bento, que investiga o crime ocorrido em uma favela carioca, lamentou a decisão dos governos federal e estadual de retirá-la do Estado. Por identificar contradições nos dois depoimentos prestados pela jovem, a delegada pretendia reinterrogá-la e acareá-la com os três suspeitos presos. Sem ela, ao menos um dos acusados pode ser solto.

"As versões (da vítima e dos acusados) são muito desencontradas. Não posso mais ouvir a jovem. Isso dificulta as coisas. Novas informações chegaram e eu não tenho como esclarecê-las com ela", afirmou. Segundo a delegada, nos depoimentos, a vítima não se refere a alguns suspeitos como estupradores. Entre eles, Lucas Perdomo Duarte dos Santos, o Luquinhas, de 20 anos, e Raí de Souza, de 22, presos desde segunda-feira.

Luquinhas, jogador de futebol, foi preso porque estaria perto do local do crime, no Morro da Barão, e acompanhou a vítima em um baile funk antes da agressão sexual. Sem a acareação, ele pode ser solto hoje. Raí está preso porque as imagens divulgadas nas redes sociais foram filmadas por seu celular.

As diferentes versões apresentadas por Luquinhas, Raí e Raphael Duarte Belo, de 41 anos, suspeito que se apresentou ontem à polícia, levaram a delegada a decidir acareá-los. "Quero esclarecer isso. Vou botar um de frente para o outro. As versões estão desencontradas. Mas ninguém admite o estupro", afirmou Cristiana.

O secretário estadual de Assistência Social e Direitos Humanos, Paulo Melo, afirmou que a jovem estava ameaçada de morte e correria risco se ficasse no Rio. "Não há garantia de que conseguiríamos dar a proteção adequada se ficasse no Rio. A menina estava ameaçada, com medo. A ida (para fora do Estado) não quer dizer que ela não possa colaborar com as investigações", afirmou Melo, para quem a Defensoria Pública, que atende a vítima, tem como fazer o contato entre ela e os investigadores. A jovem foi incluída no Programa de Proteção a Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte.

Antes de se entregar à polícia, Belo publicou no Facebook texto em que nega o estupro, mas admite ter feito uma foto ao lado da jovem nua. Ele diz que foi ao morro com Raí de Souza. Segundo ele, havia um rapaz no local, conhecido como Jefinho, que disse: "Tem uma mulher aí que não quer ir embora, está desde o dia do baile (funk)". "Entramos os três. Ela estava deitada, nua, dormindo. O Raí puxou o celular e começou a gravar. Foi mais uma zoação, brincadeira, não machucamos ela."
 WILTON JUNIOR/ESTADÃO CONTEÚDO / N/A

Suspeito do estupro é preso pela polícia.


O tratamento para vítima de estupro é só de redução de dano, diz psicoterapeuta

Da rejeição do próprio corpo ao desregramento sexual, os traumas provocados podem manifestar-se de diversas formas. Mas, de acordo com a psicoterapeuta sexual Imacolada Marino Gonçalves, que atua no atendimento de mulheres violentadas, eles sempre existem. "Toda agressão deixa sequela, imagina contra o próprio corpo. O tratamento é só de redução de dano, mas não tem como apagar um estupro."

Imacolada destaca que, nos casos de estupro de vulnerável, a maior parte das vítimas está em processo de transição do corpo infantil para o de mulher. "Muitas passam a apresentar dificuldades na mudança. Quando começam a transformação, manifestam medo de chamar atenção e atrair homens", diz. "Há casos de meninas que usam faixas para esconder os seios ou param de comer para o corpo não assumir forma de mulher."

Como consequência de abusos sofridos, a psicoterapeuta sexual afirma que é comum haver casos de vaginismo - contração involuntária da musculatura que impede o ato sexual. Vítimas de estupro podem apresentar, ainda, dificuldade de relacionamento e falta de confiança nos parceiros. "Mas cada caso é um caso. Há quem se jogue em relações sexuais e chegue até a se prostituir", afirma.

Agressor

Segundo Imacolada, em muitos casos, o autor do estupro também foi vítima de abusos sexuais na infância. "Para nós é uma perversão. Mas para o funcionamento psíquico do agressor, não", diz. "Na maioria das vezes, a criança é molestada por um ente querido, então pode atribuir o sentido de que o estupro é uma forma de obter carinho." 

  

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