(Arquivo Hoje em Dia)
Nesse dia do samba, tenho uma tolice dividir com vocês. Uma dessas teorias que invento de vez em quando e tento vender como regra: para mim, quem gosta de rock, gosta de samba.
São gêneros que dão as mãos. Raízes negras, os dois. Brasileiro entende isso perfeitamente, mesmo quando a pele é um pouco mais clara ou mais escura. Existem, claro, os sectários de um e outro partidos, mas estes são uns chatos e minoria, acredito.
Mas quem diz que gosta de samba e não gosta de rock é porque ficou apartado da revolução cultural dos últimos 40 anos. Nem discuto. Vá ouvir o "Made in Japan", do Deep Purple, e me diga depois se não é bom.
E quem diz que gosta de rock, e não de samba, sendo nascido e crescido no Brasil... aí, meu amigo, um abraço. Não serei eu quem te convencerá que Cartola e Nelson Cavaquinho são gênios.
Mas, no caso de você ter 16 anos ou menos, darei uma canja.
Já ouviu "Minha", do Cartola? Então ouça, e depois conversamos. Uma obra prima de simplicidade e emoção. Sem qualquer traço da cafonalha da MPB. Coisa finíssima, tipo vinho raro e emoção de poeta. As rimas pobres dos versos terminados em "inha" não me irritam em nada. Pelo contrário, dão um toque de simplicidade e descompromisso nessa obra prima.
Cartola foi, digamos assim, um cara de classe, tanto na música quanto na vida. Não estou falando da classe da elite ignorante, que sabe usar talheres e copos mas nunca leu um livro que valesse a pena. Estou falando de classe mesmo, de pessoas elegantíssimas em sua poesia, mesmo que nascidas na favela.
Roupas, carros, arrogância, tudo isso é pose, e não classe. Num jantarzinho chique, convide Cartola ou Nelson Cavaquinho (quem nos dera fosse possível) para ver quem será o "cara da noite", quem dominará as atenções com simpatia e elegância naturais, sem trejeitos ou afetações.
Mas, voltando à música e ao nosso tema, o bom samba, assim como o bom rock'n'roll, atingem diretamente a medula de bons ouvintes. Por isso, gostar dos dois não tem nada de incoerente. Pelo contrário.