Relação entre dívida e geração de caixa levou operadora Oi à recuperação judicial

Tatiana Moraes
tmoraes@hojeemdia.com.br
04/07/2016 às 10:08.
Atualizado em 16/11/2021 às 04:09
 (Reprodução)

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O pedido de recuperação judicial da operadora Oi pegou de surpresa 70 milhões de consumidores em todo o Brasil. Em Minas foram cerca de 10 milhões. Agora, a quebra da operadora, que disputa com a Vivo o posto de maior empresa de telefonia fixa do país e, em Minas, ocupa a segunda colocação no ranking de móvel, levanta uma pergunta: até que ponto uma companhia pode ser considerada sólida?

A saúde financeira de uma empresa pode ser verificada a partir de uma conta simples. Basta dividir a dívida da companhia pelo Ebtida (lucro antes de juros, impostos, depreciações e amortização), ou seja, pela geração de caixa. O resultado mostra a capacidade de a empresa honrar compromissos no curto prazo, conforme explica o coordenador do curso de Ciências Econômicas do Ibmec, Márcio Salvato.


“Quanto maior o resultado, maior a necessidade de a empresa gerar caixa para pagar a dívida”, diz o especialista. E o caso da Oi é gritante. O resultado da companhia, quando a dívida líquida é levada em consideração, supera os cinco pontos. Isso significa que a tele precisa gerar cinco vezes o caixa atual para honrar as dívidas.

Como reflexo, os bancos restringem o crédito à concessionária, que acaba sofrendo um baque nos resultados. “Principalmente com relação aos investimentos, que são cruciais às empresas de telefonia”, ressalta Salvato.

A diferença para as outras operadoras chama a atenção. O resultado é pelo menos dez vezes melhor do que o registrado pela Oi. No caso da TIM e da Vivo a relação é de 0,3. Na Claro, é de 0,5.

Para o coordenador do curso de Ciências Econômicas do Ibmec, a companhia errou ao não rolar dívidas e acumular vencimentos de curto prazo. “A companhia arriscou demais, tomou crédito quando não devia e fez associações erradas”, critica.

O presidente da Teleco Consultoria destaca o endividamento da OI se arrasta há tempos, mas o problema se intensificou no último anos. “Em 2013 a dívida da OI já era alta, mas a relação ainda estava dentro dos parâmetros aceitáveis com 2,9 vezes o Ebitda. O problema começou mesmo em 2014, com a associação com a Portugal Telecom ”, explica Tude.


A Vivo, por exemplo, gerencia os ativos de forma diferente. A tele encerrou 2015 com dívida bruta de R$10,2 bilhões, montante 22,6% menor que a apresentada ao final de 2014. Ao longo do ano, a empresa liquidou empréstimos e financiamentos, segundo nota da assessoria de imprensa.

“A Vivo tem uma gestão diferenciada. Enquanto a Oi focou em linhas fixas durante anos, a Vivo, que em meados de 2006 atravessa problemas financeiros, apostou na móvel e saiu do buraco”, diz o analista de telecomunicações e ex-conselheiro da Telebrás, Guilherme Cannan.

A TIM também se reinventou. Recentemente, a companhia apresentou ao mercado uma nova forma de se relacionar com o cliente ao firmar parceria com serviços Over The Tops (OTT), considerados os inimigos número 1 das operadoras. Entre eles, o Whatsapp.

O fato de a operadora anunciar, na semana passada, que não cortará a internet, atendendo a um pedido dos consumidores, chamou a atenção. Já a Claro, do mexicano Carlos Salim, aposta no pioneirismo ao lançar produtos e serviços antes das concorrentes.


Há uma chance de a Oi sair do buraco, caso novos acionistas assumam a companhia. A avaliação é do presidente da Teleco Consultoria, Eduardo Tude. Hoje, a Oi é gerenciada principalmente por fundos, além da Pharol, antiga Portugal Telecom, que detém 22,24% das ações. “A expectativa é a de que os fundos comecem a vender participação para empresas com mais poder de fogo e possibilite os investimentos”, afirma.

A dívida bruta da Oi é de R$ 65,4 bilhões. Deste montante, R$ 50,6 bilhões são dívidas financeiras, R$ 10,6 bilhões são devidos à Anatel e R$ 1,65 bilhão a trabalhadores e fornecedores de serviços. Há, ainda, outros passivos que somam R$ 2,55 bilhões.

A empresa tem 60 dias para apresentar uma proposta de pagamento para os credores, que terão 120 dias para responder sobre a proposta. Tude acredita que um acordo sairá da mesa de negociação.

Especulações já existem. Apesar do prejuízo líquido de R$ 1,64 bilhão no primeiro trimestre do ano e de a recuperação judicial ser a maior já apresentada no Brasil, na semana passada o bilionário egípcio Naguib Sawiris afirmou que teria interesse em comprar a Oi. Como reflexo, os papéis da operadora tiveram um pequeno alívio e chegaram a pouco mais de R$ 3 na PN.

Segundo a própria Oi, entre 2013 e 2015 foram investidos R$ 15 bilhões no país. Os impostos repassados ao governo superaram os R$ 30 bilhões no período. Mesmo com o pedido de recuperação judicial, a companhia afirma que seguirá com os aportes em solo nacional. “A Oi mantém sua intenção de continuar aplicando recursos em projetos estruturantes que visam a promover melhoria de qualidade na prestação de seus serviços, de forma a continuar levando os avanços tecnológicos e inovação aos seus clientes”


Segundo determinação da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), nenhum patrimônio da concessionária, bem como de suas controladoras, controladas e coligadas, pode ser alienado ou onerado sem a prévia anuência da agência reguladora. “Em caso de descumprimento, poderá ser aplicada multa no valor duas vezes superior ao do bem alienado ou onerado. Caso essa alienação ou operação coloque em risco a prestação do serviço, o bem deverá ser reposto por outro com funcionalidades equivalentes”, diz a determinação.

O Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) enviou carta à Anatel pedindo intervenção do órgão na operadora. Segundo a entidade, é imprescindível que agência garanta a manutenção da qualidade dos serviços prestados aos consumidores.

Na avaliação do gerente técnico do Idec, Carlos Thadeu de Oliveira, a intervenção imediata da Anatel pode reduzir os danos ao consumidor, caso a recuperação judicial não dê certo e a companhia vá à falência.


Em 2013, a operadora Oi era líder do mercado de telefonia móvel, com 40,2%. A Vivo detinha 32% e o grupo Claro, com a Embratel, ficava com 21,9%. O cenário mudou e, em 2016, a Vivo ocupa o primeiro lugar, com 34,42% da fatia. A Oi ocupa a segunda posição, com 34,41% do market share, e o grupo Claro vem em terceiro, com 26,5%.

“Por ter a maior rede de telefonia fixa do país, a Oi não se modernizou, acreditou que o tamanho seria suficiente. Mas os tempos mudam e ela acabou sendo passada”, destaca o analista de telecomunicações e ex-conselheiro da Telebrás, Guilherme Cannan. A troca recorrente de CEOs também chama a atenção.

No dia 10 de junho, o então presidente da companhia Bayard Gontijo renunciou ao cargo, que havia assumido no início do ano. Antes dele, Zeinal Bava também deixou a cadeira. O motivo foi um calote de quase 1 bilhão de euros que a operadora tomou do grupo Espírito Santo, maior sócio da Portugal Telecom.

Ele comenta, ainda, que a associação da empresa com a Portugal Telecom, hoje Bratel (subsidiária integral da Pharol) foi um erro monumental. 


Afinal, eram duas empresas com sérios problemas financeiros se unindo. “Não tinha como dar certo”, comenta o analista . Outro problema citado pelo analista foi o fato de a companhia não ter entrado no leilão 4G 700 mega-hertz. Na avaliação de Cannan, ao se abster do certame a empresa sinalizou que não está antenada ao futuro.


Apesar do endividamento, a Oi mantém a aposta no lançamento de produtos. Na semana passada, a operadora lançou um serviço pré-pago de TV por assinatura e disse que prevê mais do que triplicar, até o fim do ano, a quantidade de clientes que usam plano combo, lançado há três meses. Hoje são 320 mil. 

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