Rodrigo Moura: Inhotim se firma como destino cultural para turistas do Brasil e do mundo

Thais Oliveira - Hoje em Dia
28/09/2015 às 07:15.
Atualizado em 17/11/2021 às 01:52

(Wesley Rodrigues)

No próximo ano, Inhotim deve chegar à primeira década de fundação com a certeza de que a expectativa inicial foi mais do que alcançada. Êxito incontestável, o local é, hoje, o que se chama pelo mundo de “destino cultural” – possivelmente, o maior de Minas, como aponta seu diretor artístico, Rodrigo Moura. Pensando nesta função que o Instituto passou a exercer, vários projetos vêm sendo desenvolvidos. Na entrevista a seguir, Moura adianta alguns.

Em meio a um cenário de crise, Inhotim mais uma vez bate recorde de público. A que credita este feito?
Se fosse buscar uma primeira causa, esta seria a consolidação do trabalho. O trabalho destes anos todos, somado a uma visão de excelência praticada pelo instituto – que, mais que uma forma de trabalhar, é uma crença de que o visitante tem que ser recebido de forma excelente, por ser o objetivo final do nosso trabalho – se reverteu na fidelização do público. O público volta porque teve uma experiência transformadora e se sentiu bem acolhido. Existe a compreensão de que operar uma instituição cultural é prestar um serviço à comunidade, e isto vai desde as exposições aos serviços de alimentação e transporte interno.

Que público é este?
É, sobretudo, diverso. O da capital e Região Metropolitana de BH equivale a 40% da visitação. Mas a gente vê facilmente, próximo a feriados, pessoas do Rio e São Paulo. E também de outras partes do Brasil, Nordeste, do Sul... Você tem realmente a resposta de gente que vê Inhotim como destino, que fica dois, três, quatro dias para ter uma imersão. E estrangeiros, cada vez mais, pois a presença (de Inhotim) é forte na imprensa estrangeira, até por ser um acervo internacional. Este público chega a 14% da visitação. Há picos também, como na Copa do Mundo, quando a gente teve mais estrangeiros – cerca de 60% do público.

O que as pessoas que vão ao Inhotim buscam?
Não tenho dúvida de que para o público, seja o brasileiro de outras regiões ou o de outros países, a própria experiência primária de Inhotim, de estar em contato com a natureza, com o paisagismo, com as obras de arte, é o grande atrativo. Neste sentido, vir ao Inhotim assume quase a característica de peregrinação, pois há um público grande de turismo cultural no mundo. A gente sabe que a cultura faz com que pessoas se desloquem pelo planeta e Inhotim vem se somando a destinos mais tradicionais. Entra numa lista de destinos culturais, então, a pessoa se sente quase obrigada a fazer esta visita. Já em relação ao público que nos visita com frequência, este retorna para ver as novas exposições, os novos pavilhões. O que é bonito em Inhotim é esta sobreposição de usos, de pessoas que vão para ver algo.

Como são escolhidas, digamos assim, as obras que vão para o Inhotim?
O que transforma Inhotim num modelo diferente, na maneira de apresentar a arte e colecioná-la, é a fusão e a convivência de vários modelos. Trabalhamos há alguns anos, com o grupo de curadores responsáveis pela pesquisa e definição de aquisições, três linhas principais. A primeira, de obras de várias naturezas, pintura, gravura, vídeo-instalação etc., que compõem o acervo que é mais rotativo e é apresentado em exposições temporárias, seja dentro ou fora de Inhotim. Outras obras são adquiridas já pensando que serão construídos pavilhões permanentes para abrigá-las. E a gente ainda faz convites a artistas para criarem obras exclusivamente para o local, como com Matthew Barney e Rivane Neuenschwander.

Algum nome, hoje, seria um “sonho de consumo” para o acervo de Inhotim?
O que a gente tem é uma lista de projetos, que deve ter de 15 a 20 pavilhões a serem implementados nos próximos 10 anos, como os do Ernesto Neto, Anish Kapoor, Olafur Eliasson e Doris Salcedo.

A realização de fotos dentro dos espaços de arte liberada recentemente. O que motivou a decisão?
Desde 2014, começamos um movimento interno para rever isto. Achávamos que não fazia muito sentido, neste mundo em que a gente vive, no qual as pessoas fotografam muito, tratar a questão como se fosse a mesma que há 10 anos. Hoje, as pessoas têm telefones que são câmeras fotográficas melhores que algumas que existiam anos atrás. A ideia de compartilhamento, que é muito presente no ambiente da internet, nos levou a dizer: “olha, pode ser muito saudável para o nosso público fotografar e compartilhar as imagens”. É uma maneira de eles terem uma experiência com Inhotim também, ainda que não seja a experiência primária, mas que tenha esta reverberação na rede. É mais um reconhecimento do papel que a imagem assumiu na sociedade.

Helio Oiticica, por exemplo,  era, alguns anos atrás, um expoente icônico da arte brasileiro que, incompreensivelmente, era mais visto no exterior do que no Brasil. Qual é a importância de Inhotim neste sentido?
Quando eu estudava arte, 20 anos atrás, não tinha, no Brasil, um museu no qual você pudesse entrar e ter 50 anos de história da arte do país. Hoje, você tem toda uma produção brasileira que vem do final dos anos 50 até o contemporâneo. Sem a pretensão de esgotar o assunto, até porque tem vários artistas que não estão em Inhotim e que poderiam – e deveriam – estar, a gente trabalhou muito no sentido de que esta produção pudesse estar representada lá, da maneira mais potente e mais íntegra, que são as instalações, os ambientes, as obras de grande escala. E esta é uma contribuição tanto para o público brasileiro quanto internacional. Ouço muito, nas conversas que a gente tem com o público especializado internacional, que temos, hoje, um lugar para acessar obras referências da arte contemporânea brasileira permanentemente. Muitas vezes, algumas destas obras, como as do Cildo Meireles, Tunga ou Oiticica, para citar apenas alguns exemplos históricos, participavam de exposições temporárias fora do país e também em outras ocasiões no Brasil. Elas ficavam dois, três meses e quem podia ver, via; quem não podia, via só na foto mesmo, que era o que eu fazia. Muitas das obras que montei em Inhotim, conhecia por fotografia, nunca as tinha visto. Agora, algumas estão lá permanentemente e podem ser acessadas pelo público, estudadas, vistas por uma duração mais longa.

Falta investimento em mais museus, no Brasil, para mostrar os nossos artistas?
Sim. A situação de vários museus públicos no Brasil é muito precária. A gente assistiu, nas últimas décadas, a uma certa decadência do colecionismo estatal, do colecionismo público. O estado acha que é muito complicado, difícil e caro, e coleciona pouco. Então, acho que precisava, sim, alguns nichos regionais ter uma interação dos colecionadores particulares com o estado, com curadores, para pensar outras opções de acervo permanente, que ajudem a construir esta memória coletiva sobre a nossa arte e produção artística. Acho que Inhotim deu uma injeção de ânimo nisto, porque realmente as pessoas, hoje, podem ver o que é uma Ttéia, uma Magic Square, o que é uma instalação do Tunga, a obra da Adriana Varejão... Você pode ir lá e ver a qualquer hora.

A arte contemporânea pode, de fato, ser popular?
Uma das características de Inhotim é justamente aproximar a obra do público. É a missão nossa e temos que acreditar que sim, que a arte é para todo mundo. E isto não é só abrir a porta, é criar situações espaciais convidativas para que as pessoas se aproximem da obra de arte, possam estar permeáveis, porosas. O ambiente espacial, a atmosfera de Inhotim é muito convidativa e tem o poder de engajar o público. O público, de certa maneira está menos tolhido por todo o aparato arquitetônico tradicional, dos palácios... está mais próximo da terra. São edifícios simples, nos quais ele entra e sai com muita facilidade. Muitas obras estão inseridas diretamente na paisagem, e isto vai interferindo na experiência do espectador, aproximando-o da arte.

Como anda o trabalho de tornar Inhotim um destino cultural, com uma rede hoteleira na região?
A consolidação de um público visitante, que, além de aumentar, é constante, influi para a compreensão de Inhotim como destino turístico e cultural. Não tenho dúvidas de que Inhotim é hoje a principal atração turística de Minas Gerais, que é um estado que já tem BH – uma cidade grande com turismo de negócios – e as cidades históricas, em particular as do circuito do ouro, que atraem muito. E isto coloca uma série de desafios de infraestrutura, pois existe um potencial de Inhotim como vetor de desenvolvimento socioeconômico da região, como implantação de hotéis, serviços, restaurantes, de infraestrutura, seja estrada, aeroporto... Tudo isto é um movimento que vai se consolidando e se tornando mais necessário. O nosso papel é ajudar isto a acontecer.

O Inhotim iniciou um projeto de adoção dos pavilhões. Agora, está prevista a inauguração de uma galeria com obras de Claudia Andujar, o primeiro “adotado”. Como funciona este processo?
Há alguns anos, a gente vem trabalhando no sentido de gerar sustentabilidade para a manutenção do custeio. É um projeto que tem uma série de outros vetores de expansão, novas galerias, novas áreas de visitação, jardins etc., que também fazem parte deste planejamento, desta sucessão de acontecimentos a médio e a longo prazo. O que a gente está fazendo é trazer parceiros para participarem desta parte, que são as novas expansões. Hoje, a gente já tem alguns patrocinadores apoiando novas galerias e adotando as que já existem.

Como será o novo pavilhão?
Estamos trabalhando neste projeto há cinco anos e fizemos uma grande pesquisa no acervo da Claudia, que é uma grande fotógrafa. A ênfase foi no trabalho que ela fez com os ianomâmi. É uma exposição com 500 fotografias, de muitos anos de trabalho, principalmente nos anos 70, que a gente está colecionando neste pavilhão permanente. Imagens do território amazônico, da paisagem, da vida tradicional ianomâmi, das dificuldades que tiveram durante o contato com o homem branco, da destruição. É uma exposição que vai dar voz e corpo a este trabalho tão importante dela e que posiciona Inhotim na questão da sustentabilidade. Traz a ideia do antropoceno, de que o ser humano, como centro da terra, gera destruição, aquecimento global e mudanças climáticas. Esta exposição, por tomar o ponto de vista do índio e dela, abre esta discussão e insere Inhotim nela – que, de certa maneira, diz muito a respeito do que a gente trabalha, desta interseção natureza e cultura.

Outros projetos de pavilhões também vão sair do papel após serem adotados? A ideia é depender menos de leis de incentivo fiscal?
As leis de incentivo são fundamentais para a nossa forma de captação. A gente usa muito e a ideia não é deixar de usar, é continuar usando, mas também usar outras estratégias de financiamentos, patrocínio direto, doações de pessoa física, que a gente tem trabalhado cada vez mais. Uma coisa não exclui a outra. Estes modelos de financiamentos, esta receita direta que é a nossa bilheteria, o licenciamento dos espaços de alimentação, das lojas e do turismo que também gera é que vão, gradativamente, levar Inhotim a uma sustentabilidade. Ernesto Neto, Kapoor, Eliasson, Doris Salcedo, que são projetos em andamento, e quaisquer outros, podem cair dentro desta lógica.

A crise econômica e o aumento do dólar impactaram de que forma no Inhotim?
Acho que este é um ano de maior retração na economia. Após um ciclo longo de muito otimismo e crescimento e de maior afluência de recursos, a gente está encarando um 2015 difícil. Basta abrir os jornais para ver todo o ajuste fiscal e as previsões para 2016 apontam um cenário menos afluente em questão de recursos. Isto impacta? Obviamente. Torna-se mais difícil levantar dinheiro num cenário assim porque as pessoas não estão muito dispostas a investir. Têm pouco otimismo, estão lidando com um cenário no qual os próprios ganhos delas são redimensionados para baixo. Mesmo assim, a gente tem tido a lealdade grande de vários parceiros, patrocinadores, que continuam – mesmo neste cenário adverso – fiéis, aportando recursos e ajudando na sustentabilidade. Então, o desafio é maior, exige de todos mais trabalho e mais empenho para sermos mais efetivos nesta busca de patrocínios e de recursos. Mas temos conseguido reverter isto justamente graças a estas relações de longo prazo com apoiadores.

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