Flávia Coimbra Maia

'A obesidade deve ser levada a sério', diz presidente da Sociedade Brasileira de Endocrinologia

Arthur Lage
alage@hojeemdia.com.br
Publicado em 23/01/2023 às 09:15.
 (Lucas Prates/Hoje em Dia)

(Lucas Prates/Hoje em Dia)

Nos últimos anos, a incidência de doenças relacionadas ao metabolismo aumentou no Brasil e no mundo. O Hoje em Dia conversou com a presidente da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia de Minas Gerais (SBEMMG), Flávia Coimbra Maia, para entender o cenário atual da endocrinologia e os desafios enfrentados após a pandemia de Covid-19.

Segundo a médica, doenças como a obesidade devem ser levadas a sério para que haja medidas de saúde pública que facilitem o acesso das pessoas a meios de proteção e prevenção.

A médica afirma que o período de pico da pandemia de Covid-19 gerou desafios para quem convive com doenças relacionadas ao metabolismo. Muitos pacientes tiveram descontrole do diabetes pelo aumento do sedentarismo e falta de acesso a medicamentos, devido ao isolamento social necessário durante o auge da propagação do vírus. Confira a entrevista:

Muitas pessoas começam o ano com planos para emagrecer, realizando vários tipos de dietas. Quais são os passos corretos para uma dieta bem feita, sem provocar riscos à saúde?
O início do ano pode ser uma boa oportunidade para começar, mas a dieta deve ser mantida ao longo da vida. O mais importante é fazer uma que seja baseada em uma alimentação saudável, evitando alimentos ultraprocessados, como os alimentos ricos em açúcares: refrigerantes, biscoitos recheados e comidas prontas. O ideal é procurar alimentos in natura, que são as verduras, legumes, vegetais, sementes, frutas. Dar preferência para carnes que possuem menos gordura. Fazer uma alimentação equilibrada com uma redução do valor calórico necessário. O médico ou nutricionista vai adequar para cada pessoa de acordo com a condição de saúde dela.

Para quem busca um emagrecimento saudável, quais alimentos são indicados para acelerar o metabolismo do corpo? E para retardar? 
Não existe um alimento que acelere ou retarde o metabolismo. O uso de termogênicos, substâncias que aumentam o consumo energético, não pode ser feito sem orientação médica, porque eles podem causar problemas para a saúde. O que nós consideramos é uma alimentação saudável. Um exemplo disso é a culinária mediterrânea, baseada em legumes, verduras e peixes.

Segundo um estudo feito pelo Atlas Mundial da Obesidade em 2022, divulgado pela Federação Mundial da Obesidade, espera-se que o Brasil tenha 29,7% da população adulta com obesidade até 2030. O que pode estar causando este aumento? É possível mudar esse cenário?
Até 60% da obesidade tem relação com a genética do indivíduo, mas existem outras causas que estão relacionadas ao estilo de vida, como questões sociais e psicológicas. Nos últimos anos, a facilidade de acesso a alimentos muito calóricos (processados, fast food) fez com que os índices de obesidade aumentassem. Nós estamos comendo pior e gastando menos energia, isso contribuiu para o aumento não só no Brasil, mas em todo o mundo. Para mudar este cenário é necessário que a obesidade seja levada a sério e seja considerada uma doença, para que medidas de saúde pública possam ser tomadas para aumentar o acesso das pessoas que vivem com a doença a programas alimentares saudáveis, rotinas de vida que incluam a atividade física e o acesso à medicamentos de tratamento da obesidade.

A pandemia de Covid-19 pode ter relação com o aumento de doenças relacionadas ao metabolismo do corpo e distúrbios hormonais? Quem testou positivo para o vírus pode ter algum tipo de complicação?
No começo da pandemia, muitos indivíduos tiveram descontrole do diabetes pela falta de acesso a medicamentos e pelo isolamento, que aumentou o sedentarismo das pessoas em casa. Como toda doença infecciosa, a Covid-19 pode causar um descontrole do diabetes, tanto que os pacientes com comorbidades, (obesidade, diabetes) fazem parte do grupo de risco do coronavírus.

O consumo de vitamina D cresceu muito durante a pandemia? Pra quem ela é indicada?
Ela é indicada para idosos e pacientes com doenças ósseas. A vitamina D deve ser aplicada por um médico para que não haja uma exposição excessiva que traga riscos à saúde. O ideal é procurar um profissional para que seja feita uma análise se a pessoa tem a necessidade de fazer reposição da vitamina D. Ela é ativada na pele pela luz solar. Em situações de baixa exposição à luz do sol, como foi durante a pandemia onde as pessoas permaneceram por muito tempo em casa, existe uma deficiência maior e consequentemente uma procura maior também.

De acordo com um estudo do Atlas da Federação Internacional da Diabetes (IDF), nos últimos dez anos houve um aumento de 26,61% no número de pacientes diabéticos no Brasil. O que explica essa tendência?
Isso está intimamente relacionado com o aumento da obesidade. Ela é um dos maiores fatores de risco para o surgimento do diabetes tipo 2, que é o diabetes em que existe a resistência à insulina, o hormônio que controla o açúcar no organismo. Esse hormônio tem dificuldade de agir nas pessoas com excesso de peso. A falta de uma alimentação saudável e o sedentarismo também contribuem para o aumento do índice.

Segundo um estudo realizado pela Sociedade Brasileira de Cirurgia Metabólica e Bariátrica (SBCBM), a quantidade de cirurgias bariátricas feitas no Brasil aumentou em 84,73% entre 2011 e 2018. É uma solução eficiente para pessoas obesas? Deve ser feito só em último caso?
O número de cirurgias aumentou porque está ocorrendo um maior acesso do SUS (Sistema Único de Saúde) a esse tipo de tratamento. Também está relacionado ao aumento da obesidade, mas existem mais centros credenciados para realização. O procedimento é indicado para pessoas que têm o índice de massa corporal acima de 40% e que tenham tentado tratamento clínico da doença com acompanhamento médico por mais de dois anos sem sucesso, ou um paciente com um índice de massa corporal superior a 35% associado com alguma comorbidade, que também tenha passado por orientação profissional de ao menos dois anos sem resultados positivos.

Quais são as diferenças entre a diabetes do tipo 1 e 2? Quem apresenta a doença do tipo 1 pode adquirir o tipo 2?
O diabetes tipo 1 é caracterizado por uma deficiência do pâncreas na produção de insulina. Geralmente não está associado à obesidade e pode atingir crianças, adolescentes e adultos ainda jovens. O tipo 2 está ligado diretamente à obesidade. O organismo do paciente produz insulina, mas pelo excesso de peso, a insulina não funciona de maneira correta. Os dois tipos apresentam perfis diferentes. O diabetes tipo 1 não se transforma no tipo 2.

É comum casos de diabetes durante a gravidez? Pode ser feito algum tipo de prevenção para evitar o diabetes gestacional?
Geralmente a doença aparece em mulheres que têm uma predisposição ao diabetes, por terem histórico familiar ou por estarem com excesso de peso. Após o nascimento do bebê, o nível da glicose pode retornar ao normal, embora algumas pacientes possam persistir com o diabetes. Mesmo que volte ao normal, essas mulheres possuem uma chance aumentada de desenvolver diabetes gestacional durante a próxima gravidez e ter uma chance maior de adquirir o diabetes tipo 2 ao longo da vida.

Quando procurar um endocrinologista?
A endocrinologia trata de doenças que estão ligadas às alterações do metabolismo e das glândulas endócrinas, que são as glândulas que produzem os hormônios. Em casos de diagnósticos como obesidade, diabetes, problemas de hipófise, tireoide, problemas de crescimento, é importante procurar um endocrinologista.

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