BH recorre ao Estado para evitar colapso na saúde com a possibilidade de absorver demanda de Betim

Renato Fonseca e Tatiana Moraes - Hoje em Dia
11/03/2016 às 06:52.
Atualizado em 16/11/2021 às 01:45

O cenário de crise econômica, com cortes milionários na arrecadação das prefeituras, o surto generalizado de dengue e o temor de outras doenças com a proliferação desenfreada do Aedes aegypti deixam o sistema de saúde em alerta na capital mineira. Na tentativa de evitar um colapso na já sobrecarregada rede pública, Belo Horizonte pedirá socorro ao Estado para debater a possibilidade de remanejamento nos atendimentos de urgência, de média e alta complexidades.

A nova iminência de inchaço na metrópole se deve ao caos vivido em Betim, na região metropolitana. Com mais de 410 mil habitantes, a quinta maior cidade mineira fechará na semana que vem cinco unidades de saúde: três Unidades Básicas (UBS), duas Unidades de Atendimento Imediato (UAI) e uma maternidade.
 
A municipalização do Hospital Regional, restringindo os atendimentos a moradores de Betim, é outro fator de risco. Atualmente, a cidade é referência para 91 municípios da região. Nas unidades que continuarão funcionando, pacientes enfrentam o drama da falta de médicos e remédios.

Sofrimento

Nos postos de saúde de Betim há histórias dramáticas carregadas de dor, angústia e, em alguns casos, transformadas em luta pela sobrevivência. O sofrimento diário dos pacientes é relatado pela dona de casa Maria Rosa das Neves, de 61 anos.
 
Andando com muita dificuldade por causa de um corte no pé, que inflamou, ela procurou atendimento na UAI do bairro Jardim Alterosas, uma das unidades que estão com os dias contatos.

“Aqui está sempre cheio. Por mais de uma vez tive que procurar ajuda em Belo Horizonte. Agora, eles (prefeitura) vão fechar as unidades”, lamenta Maria Rosa. “Aqui posso vir a pé. Minha filha e meu neto tiveram dengue e foram atendidos. Mas e agora? Para onde vamos”, questiona a dona de casa, com a voz embargada e fazendo forças para não chorar.


  EMOCIONADA – Maria Rosa lamenta fechamento de UAI

Mesma preocupação tem o locutor Rodrigo Nascimento, de 30. Morador do bairro São João, ele e a família sempre buscam atendimento na UAI Teresópolis, onde, segundo o locutor, as condições já são péssimas. “Há um mês, estive aqui e esperei mais de três horas após a triagem. Depois me mandaram procurar outra unidade. Tive que pegar dois ônibus e aguardar mais duas horas. Ninguém sabe o que será daqui para frente, pois os locais que vão permanecer abertos não dão conta sequer da demanda atual”, diz.
 
O sentimento de Rodrigo é comprovado na UAI 7 de Setembro, no Centro de Betim, referência no atendimento de pediatria. Por volta das 12h dessa quinta (10), a unidade estava abarrotada. Alguns pacientes aguardavam em uma área próxima ao estacionamento. “Estou aqui desde às 9h e nada”, reclamou Lamara Sabino, de 28 anos. Ela estava com os filhos Willian, de 10 e Bernardo, de 9 meses.

Reunião

Na tarde dessa quinta (10) foi realizada uma reunião entre representantes de BH, Betim e outros 12 municípios. Eles tentam agendar um encontro com o governador Fernando Pimentel (PT) para levantar verba e seguir com o atendimento aos pacientes das cidades vizinhas.

Em nota, a Secretaria de Estado da Saúde (SES) informou que esteve representada na reunião com os municípios e se comprometeu a colocá-los em contato com o secretário Fausto Pereira dos Santos para debaterem melhorias para o atendimento na região.

Cortes em outros municípios

A situação também é dramática em Lagoa Santa, Matosinhos, Santa Luzia e Nova Lima, segundo o presidente da Associação dos Municípios da Região Metropolitana de BH (Granbel), Carlos Murta. “O atendimento está mais lento, mais difícil. Mas nada que se diferencie do restante das cidades de Minas. Faltam recursos na saúde para todas devido à crise”, afirma.

Murta chama a atenção para o fato de Nova Lima ser uma cidade “rica”. O município, no entanto, foi afetado pela queda na Compensação Financeira pela Exploração Mineral (Cfem), sua principal fonte de arrecadação. Ou seja, tem recebido menos royalties pela atuação das mineradoras.

Betim segue na mesma linha. É uma cidade que depende da indústria, setor cujo faturamento caiu dois dígitos em 2015, afetando o caixa do município. “O ICMS caiu 50%, cerca de R$ 85 milhões”, diz o secretário municipal de Finanças, Planejamento e Gestão, Gustavo Horta Palhares. Na saúde, o corte foi de R$ 34 milhões.

Inadimplente

Conforme o secretário de Saúde de Betim, Rasível dos Reis, o rombo no caixa fez com que fornecedores ficassem mais de 90 dias sem receber. Como consequência, serviços foram suspensos. “São diversos serviços.
 
Também temos dificuldades para pagar os médicos. Devemos R$ 3,4 milhões e pagamos R$ 2 milhões. Precisamos arrumar o restante até quarta-feira, senão eles vão parar. Trinta médicos já assinaram a lista”, afirma.

O serviço terceirizado de alimentação dos pacientes também foi suspenso por falta de pagamento. Na semana passada, equipamentos de cozinha foram adquiridos e, agora, uma equipe produz a comida de quem precisa ficar em uma das unidades de saúde do município. “Cozinhamos no Hospital Regional e distribuímos”, explica o secretário de Saúde.

 

                                                                UAI 7 DE SETEMBRO – Com sala de espera lotada, pacientes aguardam no estacionamento

Preocupação

Em alerta, a Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte informou, por meio de nota, que “entende como preocupante esta questão do município de Betim, em um momento em que as unidades de saúde da capital já estão sobrecarregadas com o fechamentos de equipamentos de saúde de outros municípios, e que manterá a discussão com a Secretaria de Estado de Saúde (SES)”.

Ainda de acordo com a nota, a pasta vai debater com a SES “as repercussões e eventuais remanejamentos do teto de média e alta complexidades, além das questões de urgência”.

Em 2015, foram realizados 608 mil atendimentos nas Unidades de Pronto-Atendimento (UPAs) da capital. Nos locais próximos à Grande BH, 40% dos procedimentos são de pacientes das cidades vizinhas.

Falta de insumos
 
Além dos postos de atendimento primário, a situação é precária na maternidade pública de Betim. Nessa quinta (10), o almoço, tradicionalmente servido antes do meio-dia, só chegou às 14h25. Indignados, pacientes denunciaram a falta de remédios e fraldas para os bebês. Uma funcionária da recepção disse que o local estava impedido de receber novas gestantes.

“Meu neto está internado há 19 dias. Hoje, fui até a farmácia comprar antibiótico. Só fraldas foram oito, tudo do nosso bolso, mesmo estando em uma unidade pública. Vergonha, absurdo”, reclamou a doméstica Aparecida Dias, de 48 anos. “Ninguém sabe informar nada”, acrescentou o marido dela, Waltair de Assis, de 50.

Fundada há mais de duas décadas, a maternidade tem 57 leitos. Por mês, a média é de mil atendimentos e cerca de 300 partos.

O secretário de Saúde de Betim, Rasível dos Reis, negou que a maternidade não esteja recebendo mais gestantes. “Essa ordem não existe. A funcionária tirou isso da cabeça dela”, disse.

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