PERIGO À SAÚDE

Cigarros eletrônicos aumentam risco de doenças bucais, como cáries e lesões da mucosa, mostra estudo

Pesquisadores analisaram saliva de 50 jovens: metade era usuária regular e exclusiva de vapes há pelo menos 6 meses

Fernanda Bassette
Agência Fapesp*
Publicado em 10/02/2025 às 06:00.
 (Freepik)
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É cada vez maior o número de adeptos dos cigarros eletrônicos, também chamados de vapes: estima-se que ao menos 20% dos jovens adultos brasileiros já tenham usado ao menos uma vez esses aparelhos inicialmente desenvolvidos com o objetivo de facilitar a cessação do tabagismo. Mas as pesquisas científicas têm demonstrado justamente o contrário. Esses dispositivos não ajudam a parar de fumar e ainda aumentam significativamente a dependência de nicotina, além de causar outros danos à saúde.

Atualmente, sabe-se que o cigarro eletrônico pode gerar lesões agudas nos pulmões e está associado a doenças e riscos similares aos do cigarro comum, como asma, DPOC (doença pulmonar obstrutiva crônica) e enfisema pulmonar, além de poder causar alterações nos vasos sanguíneos, aumentando o risco cardiovascular. Seus compostos também possuem substâncias cancerígenas.

Agora, um estudo realizado no Instituto de Ciência e Tecnologia da Universidade Estadual Paulista (ICT-Unesp), com a colaboração de cientistas das universidades de São Paulo (USP) e de Santiago de Compostela, na Espanha, constatou que os vapes alteram a composição da saliva dos usuários, aumentando o risco de doenças bucais, como cáries, lesões da mucosa e doença periodontal.

Os resultados da pesquisa, apoiada pela Fapesp por meio de quatro projetos, foram publicados no International Journal of Molecular Sciences e compõem parte dos resultados obtidos durante o doutorado de Bruna Fernandes do Carmo Carvalho.

Para chegar à conclusão, os pesquisadores selecionaram 50 jovens sem alterações clínicas visíveis na mucosa oral, com média de idade entre 26 e 27 anos: 25 usuários regulares e exclusivos de cigarros eletrônicos há pelo menos seis meses e 25 não usuários para o grupo-controle. É importante ressaltar que, no Brasil, o consumo e a venda de cigarros eletrônicos são proibidos pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) desde 2009 – daí a dificuldade de encontrar voluntários que concordassem em participar do estudo.

Após a análise da saliva dos participantes, os pesquisadores constataram alta concentração de cotinina (um importante biomarcador relacionado à exposição à nicotina) entre os usuários de cigarros eletrônicos. Eles também identificaram a presença de 342 metabólitos salivares (compostos resultantes do metabolismo de substâncias na saliva), mas foram considerados para a análise apenas aqueles encontrados em pelo menos 70% das amostras.

Do total, 101 metabólitos foram incluídos no estudo: 61 eram exclusivos do grupo de usuários, enquanto 40 compostos eram compartilhados entre os dois grupos. A partir de então, sete biomarcadores promissores foram identificados: quatro se mostraram específicos e aumentaram no grupo que usa cigarros eletrônicos e três foram compartilhados entre os grupos.

“A identificação desses metabólitos é importante porque eles podem se tornar potenciais biomarcadores para a detecção precoce de alterações de saúde. Ainda não temos bem estabelecido na literatura científica qual é o impacto dessa alteração na saúde, mas sabemos que está relacionado a questões inflamatórias, metabolismo de substâncias químicas estranhas ao corpo (como drogas ou toxinas) e aos efeitos da queima de biomassa”, explica a cirurgiã-dentista Janete Dias Almeida, professora titular do Departamento de Biociências e Diagnóstico Bucal da Unesp e coordenadora do estudo. Isso significa que vias inflamatórias específicas ligadas à doença periodontal, por exemplo, podem ser induzidas por cigarros eletrônicos.

Os resultados também indicaram baixa viscosidade da saliva daqueles que usavam vapes, sendo que essa característica desempenha um papel crucial na proteção e hidratação da mucosa bucal. 

“A redução do fluxo salivar favorece a formação de biofilme, que é a película que se forma quando não fazemos a higiene adequada dos dentes, favorecendo o surgimento de doenças relacionadas à boca, como as lesões de cárie”, alerta. 

No exame físico, os usuários de vapes apresentaram maior nível de monóxido de carbono exalado e menor saturação de oxigênio do que o grupo-controle. “Esse dado é muito importante porque a redução da oximetria significa que há menos oxigênio carreado no sangue pelas hemoglobinas. E o aumento do monóxido de carbono exalado também é um parâmetro muito importante”, destaca.

Na avaliação da pesquisadora, o futuro é bastante preocupante, especialmente quando se pensa em saúde pública e nos problemas que podem surgir em decorrência desse consumo. “Esse estudo veio confirmar que os cigarros eletrônicos não são inócuos, não são inofensivos como a indústria quer vender”, afirma. 

O artigo Salivary Metabolic Pathway Alterations in Brazilian E-Cigarette Users pode ser lido aqui.

*Adaptação de texto publicado na Agência Fapesp

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