Suspensão do X (ex-Twitter): censura?

Publicado em 03/09/2024 às 06:00.

Vinícius da Costa Gomes*

“Extra! Extra! Alexandre de Moraes ‘ameaça’ suspender o X de Elon Musk em terra brasilis! Abuso de poder! STF passando dos limites! Censura!” Será? Vamos à dura realidade de um professor de Constitucional no Brasil: “bora lá!”.

Bom, inicialmente, vamos entender o caso. Há um inquérito em andamento no STF que investiga os ataques às instituições democráticas. Já adianto, o possível ataque (ainda sob investigação) é crime previsto nos artigos 359-I a 359-K do CP. A apuração indicou que existia indicação de autoria (quem fez) e materialidade (existência de fatos criminosos) de alguns investigados e assim determinou cautelarmente a suspensão das contas nas redes deles. Isso é possível ou é censura? Sim, é possível (lei 12.965/14). Está certo? Não posso afirmar com certeza, já que o inquérito tramita em sigilo para proteger a investigação e os investigados (OBS: TODOS OS INQUÉRITOS SÃO! Não é uma exceção). De toda forma, a suspensão temporária foi determinada a diversas redes sociais: X, Telegram, YouTube, Instagram, etc. O X se negou a cumprir.

Como o Judiciário faz cumprir suas decisões? Bom, em qualquer caso ele tem que impor sanções para obrigar o investigado ou réu a cumpri-las. Geralmente a primeira medida é impor uma multa, a ideia é que para não pagar, a medida seja cumprida. Seguindo o rito processual, a corte determinou a multa diária, contudo, a empresa X optou por dispensar todos os empregados e retirar a sede do país, impedindo a execução da sanção. Como o Judiciário faz cumprir suas decisões e a lei, nesse caso? Geralmente determina a prisão, mas, diante da ausência de representantes, essa medida não teria como ser aplicada. Assim só resta uma solução: suspender as atividades da empresa investigada. A lógica é óbvia, se não pode exercer suas atividades no país, a empresa não tem como faturar, se não tem como lucrar, ela terá que cumprir a decisão. A decisão do ministro do STF é nesse sentido: determinar a suspensão do serviço até que a decisão seja cumprida.

Trata-se de censura? Não. A censura é o impedimento da fala antes dela ser proferida. No caso, ninguém foi impedido de falar, mas as apurações indicam que essa fala é ilícita. “Prof. e a liberdade? Não posso falar mais o que eu quero?!”. Pode, mas cuidado para não confundir. A liberdade de expressão pressupõe que se fale o que quiser, mas você responde por sua fala. Vamos entender: Se eu entro na rede social e falo que o Prof. Vinicius é pilantra e ladrão. A fala está protegida? Não. Trata-se de crime contra a honra previsto no CP e é possível adotar sanções cíveis, administrativas e trabalhistas. Por óbvio, não se pode acusar alguém ou difamar sua honra livremente. No caso, os investigados estavam usando as redes para cometer ilícitos e assim o tribunal determinou a retirada dessas falas. A rede não retirou e os investigados continuaram a falar (cometer o ato ilícito). Próxima medida: suspender as contas. A questão é que o X se nega a suspender as contas e na prática isso permite que os crimes continuem a acontecer. Em resumo: não há censura, já que para impedir os atos e obrigar ao cumprimento só resta essa medida!

“Ainda falta algo, prof., o ministro pode exigir que a empresa tenha representantes?”. Claro, trata-se de previsão expressa do art.1.138 do CC. Determinação lógica, afinal quem atua aqui tem que ter alguém que responda pela empresa, afinal se alguém exigir algo ou existir uma decisão desfavorável, quem iria ser responsabilizado? Por isso essa previsão legal. Ou seja, não há censura e não há nada de irregular, na verdade só se está aplicando a lei. “Prof., e o bloqueio das contas da Starlink?”. Essa já é outra história. Afinal, X e Starlink não se confundem. Apesar de ambas terem participação de Musk (segundo ele), tratam-se de pessoas distintas. “E a multa a quem usar?”. Realmente não se pode multar alguém que está fora do processo. Logo, não se trata de uma decisão padrão ou comum. Numa primeira análise, entendo que sim, errou a corte. Mas, como diriam os antigos, “uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa”. A suspensão do X é legal e constitucional, além de necessária ao cumprimento da decisão.

*Mestre em Direito e especialista em Criminologia, Constitucional e Educação. Professor da Nova Faculdade, Promove, Kennedy, Universidade Santa Úrsula e Faculdade Universo. Assessor da Ouvidoria de Prevenção e Combate à Corrupção. Membro da Comissão de Educação Jurídica da OAB. Professor online nas horas vagas: @profviniciusgomes (instagram, YouTube, Facebook, TikTok e X).

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