TIPPING POINTS

09/01/2017 às 07:00.
Atualizado em 15/11/2021 às 22:19

Há algumas expressões em outros idiomas que, quando traduzidas para a Língua Portuguesa, perdem força. Por isso, é preferível mantê-las no original. Um exemplo é tipping point, expressão que significa um ponto crítico no processo de evolução de um fenômeno ou evento que conduz a um desenvolvimento irreversível ou até mesmo a um retrocesso inexorável. O termo tem sua origem nos estudos de epidemiologia e é utilizado quando uma doença infecciosa atinge um ponto para além de qualquer habilidade local no sentido de controlar seu espraiamento mais amplo. É muitas vezes considerado como um ponto de inflexão, em geral provocado por algum evento menos significativo e aparentemente inesperado.
Alguns exemplos podem ser ilustrativos. Selecionamos cinco: dois de arte cinematográfica, dois de eventos econômicos magnificentes e um de mudança climática.


No filme Tempos Modernos, de Charlie Chaplin, um grupo de operários descansa no horário de almoço na rua em frente à fábrica na qual trabalham e onde estão insatisfeitos com o que fazem e com o que recebem. Passa um caminhão carregado de explosivos com uma bandeira vermelha, sinalizando que a carga é perigosa. A bandeira cai. Chaplin pega a bandeira e corre atrás do caminhão, levantando-a para ser entregue. Os trabalhadores se erguem imediatamente, iniciando uma rebelião em marcha de protesto. A cena é de 1936, nos Estados Unidos, no contexto da depressão econômica de 1929.


No filme Mary Poppins, da Disney, um diretor de banco convence seu filho a levar suas economias para depositá-las no banco em que trabalha. O banqueiro, rígido e severo com os filhos, leva o filho à reunião de diretoria do banco para provar que, apesar das dificuldades financeiras que a instituição está atravessando, o ambiente ainda é de confiança dos correntistas e dos novos depositantes, como demonstra a presença do seu filho. O menino assustado, sentindo o clima tenso na reunião da diretoria, sai correndo em direção ao saguão principal do banco e grita que nunca irá depositar sua poupança ali. Os clientes presentes se assustam também e dão início, então, a uma corrida bancária irreversível. A cena se passa em Londres, em 1910.
No livro “O Cassino Climático”, William Nordhaus, da Universidade de Yale, afirma que quando um sistema experimenta uma profunda descontinuidade no seu comportamento ocorre um tipping point. E que o tempo exato e a magnitude de tais eventos são quase sempre impossíveis de redizer. Eles podem ocorrer rapidamente e inesperadamente ou podem até mesmo não ocorrer. Cita como exemplos em relação às mudanças climáticas o colapso de grandes geleiras, mudanças em larga escala na circulação oceânica, processos de realimentação em que aquecimento provoca mais aquecimento.

As ilustrações econômicas são de crises financeiras, tipping points com os quais analistas da macroeconomia estão familiarizados. Um caso é o da crise bancária, na qual as pessoas, ao acreditarem que uma corrida bancária vai acontecer, acabam provocando-a, numa expectativa ou profecia autoconfirmada.

O segundo caso é mais grave e se refere à sequência de crises nas economias nacionais, iniciada com a falência do Banco Lehman Brothers, em setembro de 2008. Para Nordhaus, ninguém antecipou como seriam profundos os custos econômicos e sociais dos pânicos financeiros, nem compreendeu o quanto era frágil o próprio sistema financeiro. Falava-se à época da Grande Moderação do capitalismo e do fim dos ciclos econômicos recessivos ou inflacionários.

Pois bem, a economia brasileira já está acumulando um período de quase nove meses de recessão econômica. Nesse contexto, já se somam mais de vinte e dois milhões de brasileiros desempregados, subempregados e desalentados, acumulando uma avalanche de insatisfações, de frustrações e de infelicidade. Nessa avalanche agregam-se os que estão perdendo o valor de sua renda real, os que estão inconformados com a crescente perda de qualidade dos serviços públicos essenciais e também os que contestam os impactos concentradores de renda e de riqueza da atual política de austeridade fiscal.

Não se trata de ser pessimista ou até mesmo catastrófico, mas o governo federal deveria tomar medidas urgentes (não apenas de médio e de longo prazo) para a retomada do crescimento, da renda e do emprego na economia brasileira e, especificamente, em algumas das fragilizadas economias estaduais, sob pena de assistir entre o fim do primeiro trimestre e o segundo trimestre a uma onda de protestos, de rebeliões e de movimentos de rua num clássico exemplo de tipping point da crise econômica e social.

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