Torcer por um clube ou por pessoas?

Publicado em 12/12/2017 às 20:00.Atualizado em 03/11/2021 às 00:12.

Stephen Malkmus, lenda do indie americano, e um dos músicos favoritos deste que vos fala, é um entusiasta dos esportes. Há um bom tempo, em uma das incontáveis entrevistas em que o tópico com ele foi mencionado – a mídia americana é obcecada com o estereótipo “jocks” x “nerds/intelectuais/alternativos”; logo, se uma figura pública parece “quebrar” estes “paradigmas”... –, o compositor disse preferir os jogadores aos times – na acepção de que a escolha de quem ele apoiava e/ou se interessava em assistir passava mais por algo que o atraía no indivíduo (e não pela predileção já estabelecida/fixa por uma agremiação).           

Abordagens assim são raríssimas no Brasil. Num viés em certo sentido contrário, a imprensa tupiniquim vira e mexe diz que “nenhum jogador é maior do que o clube X”. Ao pé da letra costuma ser verdade, diga-se; não estou exatamente discordando; mas...

Não acho que exista caminho correto, em termos absolutos, apriorísticos, dentro da temática aqui analisada; em grande medida, contudo, sigo o raciocínio adotado por Malkmus.

Muitas vezes é difícil conseguir enxergar alguma identidade, alguma essência nas instituições esportivas. Não só por questões relacionadas ao fato de que o esporte se tornou uma indústria, puro negócio – com todos aqueles atributos que chegam a tal ponto que por alguns prismas é inegável a presença de alta carga pejorativa, no campo, por exemplo, justamente da perda de certas essências; tudo muda demais, a sensação de permanência – não só no aspecto objetivo, palpável, ou seja, conectado aos profissionais – costuma ser rara. Exemplo: frequentemente alguém diz torcer por determinado time porque este teria origens mais populares, democráticas; anos depois, entretanto, tudo já foi tão dissolvido e contaminado por uma ciranda natural do meio, caiu numa banalização, numa perda de qualquer idiossincrasia que poderia ser associada àquele clube que, até intuitivamente, seria natural indagar-se: “qual o sentido de torcer, me importar”? O que há ali de valor, ideia?"

Na linha do que foi exposto, frequentemente pode fazer mais sentido torcer, portanto, não sempre, independentemente de qualquer coisa, por um clube, uma seleção, mas para aquele time, naquela fase, porque ali há gente que merece ganhar. Como o sujeito que não liga, em termos absolutos, para o Manchester City – e pode ter até antipatia ao fato de que o clube foi comprado por um bilionário qualquer, despido de identidade com a cidade, o clube, valores morais/estéticos/esportivos de qualquer ordem –, porém que, em função da presença de Guardiola, sua filosofia, a representação de uma ideia de jogo tão clara quanto louvável, prefere que os Citizens sejam os campeões ingleses.

O amor pela ideia, o apreço pela verdade, o senso de justiça, o conhecimento do que determinado resultado vai representar, da essência que junto com ele vai triunfar, da “moral da história” que ficará, muitas vezes levam – normalmente quem é dotado de certa sensibilidade, de determinadas características – a esta torcida, digamos, pontual. Não se torce pela Espanha; mas para aquela Espanha; e por aí vai...

A noção – ainda que não tão consciente e abstrata assim – de que o esporte está muito longe de sempre premiar a meritocracia, seguir lógicas, e de, por meio de seus resultados, obrigatoriamente refletir quem é o melhor, usualmente está atrelada ao tipo de movimento do âmago destacado nesta coluna. Na dificuldade de aceitar o acaso, o imponderável, o intangível, o circunstancial (...); em outras limitações intelectuais, comum é achar motivos – falsos – após o resultado, na tentativa de referendá-lo, para ele “encontrar explicações”. A história, em grande medida, é construída assim. E o incômodo com esse tipo de perpetuação da mentira muitas vezes é o motor – ou se mistura de outra forma – com o tipo de torcida ao qual me referi.   

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