A força da marca e a gama de clientes não foram suficientes para manter tradicionais estabelecimentos abertos durante a crise. Nomes que antes não saíam da cabeça dos belo-horizontinos, como Alambique, uma das unidades do Varejão dos Tecidos, Mary Design, Bendita Gula e, agora, Villa Vittini, não resistiram ao cenário econômico, marcado pelos 13,5 milhões de desempregados e pela queda no poder de renda da população. Após anos de estrada (em alguns casos décadas), eles surpreenderam e baixaram as portas. A maioria, definitivamente.
Realizado no último sábado (29), o evento “Última dia do velho Alambique” marcou o encerramento das atividades de uma das mais conhecidas casas de show da cidade. Mais de 10 atrações se apresentaram no local, que reuniu centenas de pessoas. Comum no passado, a lotação da casa, no entanto, não era vista há algum tempo, motivo pelo qual não foi possível manter o formato de negócio.
ALAMBIQUE – Casa de show amargou perda de 65% no faturamento e fechou as portas
De acordo com uma das proprietárias, Dirlene Pinto, o agravamento da crise econômica caiu como uma bomba na casa de shows. Entre 2014 e hoje, o faturamento do Alambique foi reduzido em pelo menos 65%. “Tínhamos 140 funcionários. Ao longo dos anos, precisamos dispensar 100. Ficaram 40, que estão saindo aos poucos”, diz.
Para os fãs do Alambique, porém, o site oficial da casa dá um alento: “vem um trem novo por aí”, diz o texto, em letras garrafais. Dirlene explica que a intenção é vender o prédio onde a casa de shows funcionava e reabrir a danceteria em três ou quatro meses em outro local.
Mais vítimas
Referência em bolsas, sapatos e artigos de luxo, a Villa Vittini comunicou, por meio do Facebook, que encerraria as atividades na última segunda (31), ou até quando durassem os estoques. Segundo uma cliente assídua da loja, as vendedoras informaram que a crise havia vitimado a marca, que possuía lojas no Pátio Savassi, BH Shopping, em Lourdes e no Vila da Serra. A Villa Vittini estava no mercado desde de 1998.
Depois de 34 anos, a Mary Design, uma das mais conhecidas marcas de bijuteria do país, também sucumbiu à crise. Assim como no caso da Villa Vittini, os consumidores foram surpreendidos, no fim de março, com uma emocionante carta publicada no Facebook.
Na Savassi há décadas, a loja do Varejão das Fábricas baixou as portas e deixou clientes com saudade. A unidade do Centro permanece ativa. “A loja tinha bons preços e ótimo atendimento. Eu a frequentei por quase 30 anos. Levava minhas filhas e neta lá”, lamenta Otília Ferreira, de 84 anos.
Desafios
Aceitar a mudança do cenário econômico, inovar e fazer alterações e cortes da forma correta é um dos desafios das empresas tradicionais. A análise é do gerente de inteligência empresarial do Sebrae-MG, Felipe Brandão.
De acordo com Brandão, elas estão acostumadas a manter um fluxo de clientes que são atraídos pela marca e ficam sem ação quando o cenário muda. “Ficam vulneráveis a novos concorrentes que chegam, muitas vezes, com preços melhores”, destaca.
Outro motivo comum do fechamento de pontos conhecidos é a dificuldade de gestão. Brandão comenta que alguns estabelecimentos pensam em medidas de curto prazo como as promoções para atrair clientes. Mas se esquecem de alterações de médio e longo prazo, necessárias para manter o negócio ativo.
“As promoções chamam a atenção e melhoram o caixa durante um tempo. Mas é a troca de fornecedores, as mudanças no estoque e o corte de gastos desnecessários que fazem a diferença. É necessário colocar tudo na ponta do lápis para saber onde é possível reduzir gastos”, explica.
Queda nas vendas e no faturamento se agrava, e lojistas abandonam a região da Savassi
Tradicional reduto de grifes de luxo e boemia, o que se vê hoje na Savassi são diversos pontos fechados com placas de “vende-se” e “aluga-se”. O faturamento baixo em tempos de crise aliado aos altos custos de um ponto na região tem obrigado muitos comerciantes a deixarem a região. As irmãs Bruna e Alessandra Lionello fecharam ontem a loja de acessórios que tinham há oito anos no quarteirão fechado da rua Pernambuco. Para elas, o conturbado cenário político e econômico que o Brasil atravessa foi determinante.
“Muitos escritórios e empresas grandes fecharam ou reduziram o quadro de funcionários. Isso influencia diretamente. Tínhamos muitas clientes que passavam por aqui na hora do almoço e notamos uma perda drástica desse público de dois anos para cá”, diz Bruna.
A comerciante Maria Milza Medina, há 25 anos na rua Fernandes Tourinho, diz que o movimento da Savassi está em queda há anos, desde a reforma, mas a crise econômica foi o último prego no caixão. “Eu não fechei porque não pago aluguel, mas eu investi o equivalente a um apartamento aqui. Já acumulo uma queda de faturamento de 70%. Essa crise foi um desastre”, diz.
DESPEDIDA – Pichação no muro retrata a saudade do estabelecimento fechado na Rua Fernandes Tourinho
Além do faturamento em queda, a falta de incentivo do governo aos micros e pequenos empresários é apontada como culpada pelo fechamento de muitos pontos comerciais. O vice-presidente da Câmara dos Dirigentes Lojistas de Belo Horizonte (CDL-BH), Marco Antônio Gaspar, afirma que o Simples Nacional é uma ilusão de que se tem muito desconto de imposto.
“O governo só dá benefícios para os grandes. Quando faz o Refis, por exemplo, ele não dá desconto para os optantes do Simples”, diz Gaspar, proprietário da papelaria Brasilusa, com duas unidades na Savassi há até pouco tempo. “Como eram próximas, fechei uma delas e abri uma lanchonete. Em 10 meses, precisei fechá-la também”, lamenta.
A empresária Alessandra Lionello faz coro com Gaspar. “No Brasil, o governo não incentiva a gente com empreendedor. Mas são os pequenos que geram emprego”, critica.