Uma estratégia de desenvolvimento para BH

06/04/2016 às 07:48.
Atualizado em 16/11/2021 às 02:49

Com a atual recessão da economia brasileira, o desemprego avança na Região Metropolitana de Belo Horizonte. A taxa de desemprego registrada em 2015 foi de 7,4% contra 3,7% em 2014, o dobro segundo o IBGE. No mesmo período, saltou de 74 mil para 146 mil o número de pessoas em busca de trabalho na RMBH, e este número está crescendo no início de 2016. O que fazer para conter as mazelas sociais e os dramas familiares que emergem a partir das taxas de desemprego?

Esta mesma pergunta fizeram os prefeitos da Região Emilia Romagna na década de 1970 quando a Itália passava por uma crise econômica muito grave para os padrões europeus (inflação elevada, desemprego em alta, baixo crescimento, corrupção administrativa agigantada) semelhante à do Brasil atualmente. A pergunta que se fizeram: teremos que esperar a crise econômica e política do nosso país ser superada para que os nossos municípios possam crescer, gerar emprego e renda e ter paz social? Inconformados, partiram para a formulação e implementação de políticas públicas inovadoras em relação às pequenas e médias empresas regionais e locais através da promoção e dinamização de distritos industriais. Com o tempo conseguiram atingir resultados surpreendentes: o pleno emprego da economia, a elevação dos salários reais, a melhoria generalizada dos indicadores socioeconômicos e ambientais. O sistema produtivo baseado nas pequenas e médias empresas organizadas em distrito industrial se espalhou por outras regiões e municípios da Itália, ganhando competitividade sistêmica global, tornando-se responsável por mais de 50% das exportações italianas.

Como migrar essa experiência dos distritos industriais italianos para equacionar problemas econômicos e sociais na RMBH visando a revitalizar sua economia? Em primeiro lugar, é preciso afirmar que o distrito industrial italiano nada tem a ver com o conceito de distrito industrial brasileiro, que é tão somente um espaço urbano dotado de infraestrutura econômica especializada para a localização de múltiplas atividades econômicas.

O distrito industrial italiano se define como um grupo de empresas (micro, pequenas e médias empresas) altamente concentradas geograficamente (em um município ou em uma região) que, direta ou indiretamente, trabalham para o mesmo mercado final (nacional ou internacional). As empresas de um distrito industrial italiano compartilham valores e conhecimentos de forma tão intensa e muitas vezes tácita que definem um ambiente cultural e são especificamente interligadas num conjunto complexo de concorrência e cooperação, sendo que a fonte principal de competitividade são os elementos de confiança, solidariedade e cooperação entre as empresas, resultante de estreitas interdependências de relações econômicas, sociais e comunitárias. Seu mote principal é de cooperar para competir.

Arranjo Produtivo Local

Para não confundir a nomenclatura, o Sebrae traduziu a experiência de um distrito industrial italiano pela denominação de Arranjo Produtivo Local (APL) e desde o início dos anos 2000 vem liderando a sua implantação no Brasil já tendo acumulado mais de 300 experiências integradas com federações e associações empresariais e governos subnacionais. A construção de um APL dentro deste sentido se baseia, fundamentalmente, na capacidade de operacionalizar um modelo de desenvolvimento endógeno a nível local ou microrregional (aglomerados urbanos) de forma sustentável. Assim, o conceito de APL pressupõe “constelações de micro, pequenas e médias empresas autônomas de base local que conseguem desenvolver formas cooperativas de produção altamente flexíveis, inovadoras e competitivas, com capacidade de penetração nos grandes mercados internacionais”.

Os Arranjos Produtivos Locais consistem de indústrias e instituições que têm ligações particularmente fortes entre si, tanto horizontal quanto verticalmente. Usualmente, a organização de um APL inclui: empresas de produção especializada; empresas fornecedoras; empresas prestadoras de serviços; instituições de pesquisas; instituições públicas e privadas de suporte fundamental. A análise de APLS focaliza os insumos críticos, num sentido geral, que as empresas geradoras de renda e de riqueza necessitam para serem dinamicamente competitivas. A essência da organização de APLs é a criação de capacidades especializadas dentro de municípios e regiões para a promoção de seu desenvolvimento econômico, ambiental e social. Já participei de mais de 70 experiências de concepção e implementação de APLs, desde a organização social de catadores de caranguejos e do turismo ecológico no Delta do Parnaíba até a estruturação de empresários de tecnologia de informação no projeto Brasília Capital Digital.

Votações de BH

No caso de Belo Horizonte, cujo PIB per capita está em sétimo lugar entre todos os PIBs per capita das capitais brasileiras, sendo 30% inferior ao do município de São Paulo, o esforço de promoção industrial deveria se dirigir menos para a atração de novos projetos industriais subsidiados e mais para a organização de um programa de desenvolvimento de APLs potenciais (muitas vezes denominados de polos, de aglomerações produtivas ou de clusters). Neste contexto, o programa deveria focalizar principalmente a mobilização e a consolidação das vocações definidas de BH, ou seja, aquelas atividades que mostraram indicativos consistentes para crescer de forma sustentada na economia local.

Observam-se em BH muitas vocações definidas candidatas para que se possa definir um programa de promoção e desenvolvimento de APLs visando à dinamização dos mercados de trabalho, sua diversificação e sua diferenciação. Entre essas vocações, destacam-se, entre outras: atividades de base tecnológica em informática e biotecnologia; centros de medicina especializada; núcleos ativos de confecções e moda; grupos de bandas de música popular; centros de formação cultural em música clássica, pintura e produção cinematográfica.

A essas podem se somar também as vocações de empório comercial da Capital (o polo moveleiro da Avenida Silviano Brandão, por exemplo) ou os arranjos produtivos de empresas-âncora (nos quais, centralizam-se na Capital as ações de informação e conhecimento e descentralizam-se as ações de produção intensivas de fatores tradicionais ou não especializados). Em geral, essas atividades se encontram isoladas, fragmentadas, com apoio pontual e não sistematizado, dependentes apenas de lideranças solitárias ou de talentos individuais, o que acaba minando sua sustentabilidade institucional ao longo do tempo.

Custo é quase zero

Quanto custa organizar e colocar em funcionamento um APL? Financeiramente quase nada. O custo maior é o de sensibilização e de mobilização dos protagonistas para criar um ambiente de cooperação e de confiança assim como o de negociação com as instituições parceiras que irão prestar serviços ao APL (de financiamento, logística, tecnologia, marketing etc.). Uma alternativa para enfrentar os desafios de transformação da realidade coletiva é a formação de um grupo de vanguarda empresarial que possa liderar a estruturação de cada um dos APLs a partir de um ambiente de inconformismo com o status quo. Sem esse inconformismo e sem essa liderança as chances de fracasso de uma experiência de APL são imensas.

Quais as principais vantagens de organizar um APL, além da multiplicação dos valores econômicos que são criados? Michael Porter sinaliza dentre essas vantagens: maior eficiência na contratação da mão de obra e relação com fornecedores; acesso a informações especializadas; externalidades positivas; acesso a instituições e bens públicos; melhor motivação e avaliação do desempenho; estímulos à inovação; etc. Cada uma dessas vantagens competitivas se destaca de acordo com o nível de organização e de desenvolvimento do APL, o qual pode variar das aglomerações produtivas de subsistência até as aglomerações produtivas de base tecnológica. A busca da melhoria de competitividade sistêmica dessas aglomerações tem estimulado a organização de novos e diferentes APLs no país.

Por que tem fracassado a maioria de experiências de APL no Brasil, ao contrário do que ocorre em muitos países? Há diversos argumentos para prever o declínio de muitas experiências de APL em andamento no Brasil. Um APL tem como fundamento conceitual o modelo de concorrência com competição, onde se procura resolver problemas comuns a grupos de micro e pequenos produtores que isoladamente não teriam como resolvê-los. A principal fonte de competitividade são os elementos de confiança, de solidariedade e de cooperação entre as empresas, um resultado de relações muito estreitas de natureza econômica, social e comunitária. Como muitos APLs são construções artificiais arquitetadas pelas burocracias públicas e privadas ou pelo oportunismo empresarial para ter acesso aos novos mecanismos específicos de financiamento e de assistência técnica, fica claro que tende a ser curto o horizonte da sua sustentabilidade institucional.

Destaca-se, também, a absoluta ausência de uma Rede de Precedência na formulação de um projeto de APL, em quase todas as experiências em fase de execução no Brasil. Sem considerar a interdependência entre o sequenciamento, o ritmo e a intensidade das ações programadas que compõem a sua Rede de Precedência, corre-se o risco de se tratar o plano de ação como uma lista de benefícios que vai sendo percorrida indiscriminadamente, pressupondo-se que se tudo que foi proposto é bom para os protagonistas do APL, pode-se fazer o que for possível em qualquer cadência ou sequenciamento comandados por fatores aleatórios. Os resultados desses procedimentos normalmente podem ser inesperados, contraditórios e inconsistentes com o escopo e os objetivos do plano de ação do APL.

Ação e estratégia

Enfim, um arranjo produtivo local pode ser considerado adequadamente estruturado quando dispuser das seguintes características: um plano de ação plurianual; uma estratégia competitiva consensual; um ambiente entre seus participantes de cooperar e interagir para competir; um modelo de governança com gestão participativa e compartilhada; um sistema de controle e avaliação com indicadores de processo e indicadores de resultados ou finalísticos. Esses procedimentos podem dar certa garantia de que as atividades e ações programadas não se transformem num exercício de voluntarismo tecnocrático, numa experiência fortuita de projetos de vitrine ou numa mobilização de esperanças comunitárias desencontradas e dispersas quanto aos seus objetivos de médio e de longo prazo.

Mas para que tanto esforço e energia se o retrocesso econômico da RMBH for um simples reflexo do retrocesso da economia estadual na qual se encontra inserida? De fato, a economia de Minas está em processo de declínio em seu crescimento e de decadência em suas instituições de promoção industrial. Em grande parte, o que vem ocorrendo é o espraiamento dos impactos adversos da profunda recessão da economia brasileira que pouco a pouco vai minando os fundamentos do seu crescimento. Mas outra parte importante é o baixo grau de endogenia das autoridades locais para mobilizar, inovar e induzir novas formas de desenvolvimento do Estado utilizando o imenso potencial que dispomos de capitais intangíveis (social, intelectual, institucional, sinergético, cultural) os quais subutilizados ou desmobilizados vão buscar alhures as oportunidades para sua realização. É bom lembrar que, na década dos anos 1960, uma década de estagnação econômica de Minas, cerca de 17% de nossa população migraram para outras regiões ou países em busca de emprego, de prosperidade e de esperança. Assim, para resgatar o desenvolvimento da RMBH, devemos seguir o exemplo das lideranças locais da Itália e conceber um processo de desenvolvimento endógeno, ambientalmente sustentável e socialmente justo. Eles souberam fazer a hora e não esperaram acontecer.

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