CINEMA

Filme de Nanni Moretti mostra que não há receita pronta para conduzir a relação com os filhos

Paulo Henrique Silva
phenrique@hojeemdia.com.br
18/04/2022 às 09:03.
Atualizado em 18/04/2022 às 10:46
Como em "O Quarto do Filho" e "Minha Mãe", Moretti desenvolve a relação pais e filhos com delicadeza, muita dor e sentimentos contraditórios (Imovision/Divulgação)

Como em "O Quarto do Filho" e "Minha Mãe", Moretti desenvolve a relação pais e filhos com delicadeza, muita dor e sentimentos contraditórios (Imovision/Divulgação)

A primeira sequência de “Tre Piani”, em cartaz nas salas do Minas Tênis Clube e no Belas Artes, é simbólica para compreender as intenções do diretor italiano Nanni Moretti: embriagado, o filho de um casal de juízes atropela uma mulher e se choca contra a parede do condomínio onde mora com os pais.

É uma das duas únicas cenas (há outra próxima ao final) que reúne os protagonistas do filme. A partir dali, o realizador de “Caro Diário” e “O Quarto do Filho” se dividirá entre três núcleos, moradores que passam por algumas provações para manter as suas famílias unidas, com leituras diferentes sobre o significado de lar.

O condomínio assume uma representação forte e, ao mesmo tempo, frágil. Os grandes debates acontecem justamente entre quatro paredes, mas as relações, no lugar de se intensificarem, acabam se distanciando cada vez mais, das formas mais variadas possíveis – metafórica, imaginária ou realista.

O filho dos juízes sai de casa porque não teve o apoio que esperava dos pais durante o julgamento, uma ausência que será sentida principalmente pela mãe. O fato de o marido passar longas temporadas fora de casa, incluindo os períodos de gravidez e parto, serve de gatilho para a criação de um universo paralelo para a esposa.

A fuga psicológica da mãe em período puerperal ganha certa correspondência na obsessão de um pai ao buscar descobrir se sua filha de pouca idade foi estuprada pelo vizinho senil, distanciando-se da esposa e da razão. Os filhos – a continuidade – estão no centro da fragilização dessas famílias.

A importância do papel dos filhos, como ativadores das discussões, estampada na cena inicial de “Tre Piani”, é observada na idade de cada um deles – eles estão presentes em fases diferentes, que vão desde o primeiro ano, passando pela infância, até chegar à pós-adolescência.

Como em “O Quarto do Filho” e “Minha Mãe”, Moretti desenvolve a relação pais e filhos com delicadeza, muita dor e sentimentos contraditórios, mostrando que não há receita pronta para assumir o papel de condutor de uma família. “Tre Piani” parece fechar uma trilogia sobre a culpa dos progenitores.

Para o diretor italiano, o remorso surge como um sentimento inato, abalando as convicções sobre as possibilidades de uma solidez familiar. Curiosamente, os pais assumem profissões marcadas por escolhas e influências sobre o(s) outro(s). Um psicólogo (“O Quarto do Filho”), uma cineasta (“Minha Mãe”) e um juiz (“Tre Piani”).

O psicólogo é incapaz de curar-se diante da perda do filho. A diretora autoritária não consegue comandar a própria família. E o juiz não pode fazer nada diante da situação do filho, por uma questão ética. Conflitos que Moretti rege com equilíbrio e inteligência, mesmo quando precisa dividir a trama em “três andares” (tre piani, em italiano).

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