ENTREVISTA

'Visitações só são liberadas após vistoria', afirma geólogo sobre cânions do Lago de Furnas

Luciane Amaral
lamaral@hojeemdia.com.br
09/07/2022 às 08:04.
Atualizado em 19/07/2022 às 15:04
 (Divulgação)

(Divulgação)

O acidente com o deslocamento da rocha sobre barcos em janeiro, que deixou 10 mortos e dezenas de feridos em janeiro deste ano e o tombamento parcial de uma chalana que prestava socorro a outra embarcação com pane mecânica, que resultou na morte de duas pessoas em junho, colocou em risco a sobrevivência do turismo em Capitólio. Hotéis, pousadas, restaurantes e donos de lanchas tentam superar os prejuízos e se reerguer com novos projetos e investimentos em segurança. 

O Hoje em Dia conversou com o geólogo Eduardo Goulart Collares, professor da Universidade do Estado de Minas Gerais (Uemg), em Passos. Ele integra a equipe de especialistas que atua no mapeamento e monitoramento dos cânions do Lago de Furnas.

Graduado como engenheiro geólogo pela Ufop, com mestrado e doutorado em geotecnia pela USP, Collares explica como está sendo feito o trabalho dos especialistas, para garantir a segurança de marinheiros e turistas que visitam Capitólio.

Como é o trabalho desenvolvido pelos geólogos após o acidente no cânion?
O monitoramento envolve, fundamentalmente, uma inspeção visual nos paredões (no início do dia) com averiguação de possíveis indícios de movimentos de massa, erosões, surgências de água e alterações na vegetação, além de controle sobre os índices pluviométricos locais. Envolve também um canal direto com os fiscais e marinheiros para recebimento de relatos de eventuais ocorrências durante as visitações. Todas as informações serão avaliadas diariamente para determinar a continuidade das visitações.

Geólogos fazem vistorias todas as manhãs em Capitólio para autorizar a circulação de embarcações (Eduardo Collares / Acervo pessoal)

Geólogos fazem vistorias todas as manhãs em Capitólio para autorizar a circulação de embarcações (Eduardo Collares / Acervo pessoal)

Quantos geólogos fazem o monitoramento e a vistoria?

O trabalho é realizado por uma equipe de profissionais, envolvendo dois engenheiros geólogos, sendo um doutor em Geotecnia e um engenheiro ambiental especialista em engenharia de segurança. Além do relato diário em Fichas de Avaliação, é produzido um relatório mensal, que é avaliado e discutido com a equipe de geólogos que está realizando o trabalho de classificação de risco e com gestores da Prefeitura Municipal de Capitólio.

O trabalho é feito todos os dias?
O monitoramento ocorre diariamente, sempre no início da manhã, antes das visitações diárias. O roteiro do monitoramento é feito tanto via náutica, percorrendo os cânions pela água, quanto via térrea, em caminhamentos no topo dos paredões. Envolve observação visual de aspectos geológicos dos paredões, surgências de água e alterações na vegetação. Envolve também controle sobre os índices pluviométricos ocorrentes no local. A inspeção diária é sempre comparada com as dos dias anteriores.

Na época do acidente, uma das principais críticas é que não havia um mapeamento geológico dos cânions. Podemos afirmar que agora tem? Em que consiste o trabalho?
O que foi realizado, especificamente nos cânions de Capitólio, foi o Estudo de Avaliação de Riscos Geológico-Geotécnicos, trabalho este produzido pela UNESP – Rio Claro e coordenado pelo Geólogo Fábio Reis. Este trabalho consistiu em avaliar os riscos geológico-geotécnicos em Cânion da Represa de Furnas no município de Capitólio (MG), onde ocorreu o acidente ocasionado pelo tombamento de bloco rochoso, classificando as diferentes zonas de riscos nos paredões de contorno. O trabalho envolve, também, a proposição de medidas de redução e/ou controle dos riscos e a indicação dos pontos onde a Prefeitura deverá implantar essas medidas pela contratação de empresas especializadas.

As informações levantadas diariamente são processadas de que forma?
O monitoramento é realizado sempre no início da manhã, por volta das 7h e quando concluído é publicado em um canal via Whatsapp com os fiscais da prefeitura, para que possam liberar as visitações do dia. 

E como os dados são armazenados e a qual tipo de análise são submetidos?
As fichas diárias de monitoramento, bem como as imagens produzidas, são disponibilizadas em um arquivo virtual (nuvem) com acesso disponível à Prefeitura Municipal e à equipe da UNESP que realiza o estudo de avaliação de risco. Além disso, é produzido um Relatório Mensal, onde são relatadas e analisadas todas as ocorrências do mês e, posteriormente, discutidas com a equipe da UNESP e com a Prefeitura Municipal.  

O tipo de formação rochosa contribui, de alguma forma, para dar a tonalidade verde esmeralda do lago? E também influi na transparência da água?
O lago de Furnas, especificamente na região de Capitólio, está encaixado diretamente sobre o substrato rochoso e não em solo, como ocorre em outras partes do lago e também na maioria de outros lagos existentes em outras regiões, o que torna a água mais barrenta. Em Capitólio, além do encaixe diretamente sobre o substrato rochoso, a rocha predominante é um quartzito, considerada uma rocha ácida, de cor clara, formada fundamentalmente pelo mineral denominado quartzo, mineral este que popularmente origina os denominados “cristais”, que são muito conhecidos comercialmente. Por isso as águas são transparentes e com tonalidade esverdeada. 

Como tem funcionado o esquema de autorizações para visitação das embarcações turísticas no lago?
As visitações diárias só são liberadas após a vistoria realizada por nossa equipe. Além disso, existem outros pontos importantes, tais como: delimitação do circuito dentro dos cânions com a demarcação de faixas de segurança; limitação do número de embarcações e do tempo de visitação dentro do circuito; orientações aos turistas e uso obrigatório de equipamentos de segurança (capacete de proteção e colete salva vidas); interrupção imediata dos passeios em caso de chuvas ou qualquer anormalidade geológica.

Barraca de checagem de embarcações - a partir daí só podem entrar seis embarcações por vez (Luciane Amaral)

Barraca de checagem de embarcações - a partir daí só podem entrar seis embarcações por vez (Luciane Amaral)

Sobre o lago

Criada como solução para a crise energética que ameaçava, em meados da década de 50, o abastecimento dos principais centros socioeconômicos do país, a Usina de Furnas, no Rio Grande, artificialmente na década de 1950 pelo então presidente Juscelino Kubitschek, no rio Grande (MG), a Usina de Furnas foi a primeira hidrelétrica de grande porte do Brasil.

Só em 1963 o reservatório começou a encher, até ocupar uma área de cerca de 1 440 km², n o nível máximo de operação. O lago pertence ao estado de Minas Gerais e é considerado uma unidade de conservação.

Leia mais:

Compartilhar
Ediminas S/A Jornal Hoje em Dia.© Copyright 2024Todos os direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por