Entrevista

‘Quem defende o atleta é visto como vilão’, diz responsável pelo gerenciamento de Endrick

Responsável por gerenciar a carreira de Endrick e Vini Jr fala dos desafios na missão

Angel Drumond
angel.lima@hojeemdia.com.br
Publicado em 27/05/2024 às 07:46.Atualizado em 27/05/2024 às 15:52.

Embora a vida de um jogador de futebol seja muito atrativa, a profissão exige um gerenciamento de carreira, principalmente porque o tempo nos gramados é bem mais curto em relação a outros profissionais. Portanto, é muito importante que os atletas, desde o início, tracem suas metas quanto ao seu desenvolvimento. 

Thiago Freitas, mineiro de Belo Horizonte, é COO (Chief Operating Officer) da Roc Nation, renomada empresa de entretenimento norte-americana, liderada pelo cantor Jay-Z, que se tornou, em 2023, acionista majoritária e controladora da TFM Agency, uma companhia com mais de duas décadas de expertise no cenário futebolístico mundial.

Hoje, Thiago é um dos responsáveis pelo gerenciamento das carreiras dos galácticos Vini Jr e Endrick e também dos selecionáveis Gabriel Martinelli, do Arsenal, da Inglaterra, e Lucas Paquetá, do West Ham. 

O profissional conversou com o Hoje em Dia e falou um pouco sobre o trabalho com os atletas e à frente na agência, que engloba mais de 400 transferências internacionais intermediadas entre clubes de mais de 40 países, acumulando uma experiência de 18 anos de atuação.

Você é mineiro e, graças ao futebol, hoje ganhou o mundo. Como começou sua relação com o esporte e por que você optou por atuar no ramo de agenciamento de atletas?
Temos hoje clientes reconhecidos em todo o mundo, realmente, mas eu sigo por completo anônimo, até porque seguir assim é um ótimo sinal de que sigo dedicado ao protagonismo deles, que é o relevante. Ingressei no futebol por acaso, graças a um convite inusitado, e após duas experiências mal sucedidas, por diferentes razões, me estabeleci em uma função diferente daquela em que iniciei, e da que tenho hoje, avaliando jovens atletas, ainda em formação. 

Acredita que, de certa forma, há um estereótipo negativo para o termo “empresários de atletas”? Como é, de verdade e na prática, essa profissão?
Sem dúvida, e por diferentes razões. Primeiro, porque vivemos em um país preconceituoso e racista, no qual futebol é associado aos mais pobres, e, indiretamente, a uma alternativa única de sucesso para negros e mestiços. Esse sentimento, somado a décadas em que os atletas tinham suas liberdades limitadas por conta do chamado “passe”, faz com que a maior parte dos torcedores enxergue os atletas como propriedade de seus clubes.

Qualquer pessoa recrutada por esse atleta para defender seus direitos, negociar a seu favor, dar a eles instrução e os empoderar, será vista por essas massas como um “vilão”. São os mesmos que ameaçam sua integridade, que acreditam que derrotas são motivos para os agredir, e que exigem deles que tratem sua carreira como tratam suas paixões e preferências pessoais.

Como é a atuação da Roc Nation Sports Brazil? Qual trabalho vocês realizam junto aos atletas?
Trabalhamos com atletas e suas famílias de diferentes maneiras, e a partir de diferentes momentos. Com alguns, a partir do momento em que são alojados nos clubes, quando completam 14 anos, os orientando e auxiliando com trabalhos complementares ao dos clubes para sua formação. Com outros, a partir do momento em que precisam negociar seus primeiros contratos profissionais, os auxiliando no processo de negociação de várias condições contratuais. Com outros, já adultos, na busca de propostas de mercados que o remunerem melhor e ofereçam condições mais saudáveis de trabalho. Por fim, com um grupo mais restrito, cujo sucesso transcende o campo, trabalhamos para potencializar os ganhos advindos da exploração de sua imagem e influência. 

Em casos mais delicados, como de Vini Jr e toda a história do racismo na Espanha, como a empresa busca orientá-lo?
Orientamos e auxiliamos nossos clientes, inclusive buscando profissionais especializados naquilo que não dominamos, mas jamais os adestramos ou controlamos. Alguns têm motivações que vão muito além do jogo, e quando essas envolvem causas nobres, como as várias que mobilizam Vini, procuramos viabilizar a estrutura e rotinas que permitam que algo grandioso seja feito, sem prejuízo da sua performance atlética. Vini é não só um atleta diferenciado, mas um ser humano diferenciado. Nós somos o suporte dos seus méritos somente.

Vocês atendem o Endrick, maior revelação do futebol brasileiro atualmente. Ele é muito jovem, de origem humilde, e explodiu de maneira muito rápida na carreira. Acredito que isso traz bônus e ônus. Como é o cuidado de vocês em relação a ele?
Assim como seu sucesso e recordes são muito precoces, seus ganhos e a procura por ele também. Isso faz com que ele tenha condições de ter acesso ao que poucos alcançam, mas ao mesmo tempo faz com que ele tenha que abdicar de muito do que outras pessoas podem desfrutar.

Lidar com esse dilema não é fácil. Poder pagar por qualquer bem ou serviço, e seguir se sacrificando, assim como seu tempo, em prol da máxima performance, não é fácil. Mas com ele, também, somos apenas um complemento, uma extensão. Os méritos, por esse sacrifício, são dele.

O Brasil vem acumulando péssimas participações em Copas do Mundo. Acredita que ainda somos o país do futebol e que continuaremos revelando atletas acima da média nos próximos anos?
Nunca revelamos tantos atletas de alto nível quanto revelamos hoje, e seguiremos os revelando. Claro que, hoje, vários países que não o faziam também revelam atletas de alto nível, e existem mais seleções qualificadas nas competições mundiais. Já não temos o que chamaria de privilégio da miscigenação. Essa já é vista nas seleções da França e da Inglaterra de forma mais evidente que na nossa, inclusive. Nossos insucessos na principal competição do mundo estão diretamente relacionados aos nossos problemas com educação e ensino, e não com talento dos nossos jovens. Eles deixam o Brasil cada vez mais cedo e vão conquistar as principais competições do mundo pelos seus clubes. Se observarmos qual é historicamente o perfil das nossas principais lideranças políticas, fica evidente que somos um país que despreza o estudo, o preparo e a cultura, e o déficit de nossos treinadores nada mais é do que um reflexo do déficit dos nossos professores.

O talento e a inteligência do jovem brasileiro se manifestam mais vezes e com maior intensidade quando ele deixa o Brasil e se integra a um ambiente e a uma sociedade mais desenvolvidos.

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