ENTREVISTA

'Só o padrinho político não é suficiente para eleger um candidato', afirma pesquisadora

Érica Anita Baptista cita exemplos de políticos que receberam votação da ‘oposição’

Do HOJE EM DIA
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Publicado em 29/07/2024 às 07:30.

A campanha só começa em 16 de agosto, mas a praticamente três meses das eleições municipais, a movimentação dos concorrentes à Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) já ganha corpo. Alguns nomes já foram oficializados em convenções e os apoios tendem a ficar mais evidentes, como a possível aliança entre o ex-prefeito Alexandre Kalil e o pré-candidato Mauro Tramonte. O apadrinhamento político é importante e, em alguns casos, necessário. Mas “só” ele, mesmo de um ex-mandatário da administração municipal que teve mais de 60% dos votos no último pleito, não é suficiente. Quem afirma isso é a jornalista e doutora em Ciência Política pela UFMG, Érica Anita Baptista.

Pesquisadora do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Disputas e Soberanias Informacionais (INCT-DSI) e diretora de comunicação da Associação Brasileira de Pesquisadores Eleitorais (Abrapel), Érica Anita Baptista também analisou a baixa participação feminina na corrida eleitoral, a sacudida na campanha americana após a desistência de Joe Biden e as consequências da Lava Jato para a reputação da classe política – tema da tese de doutorado. Confira:

Nas últimas eleições, as candidaturas femininas cresceram. Entretanto, a proporção ainda é baixa em comparação ao eleitorado feminino, mais da metade da população. Como você analisa esse cenário? Só a cota de gênero de 30% dos partidos é suficiente para enfrentar essa realidade?]
Nós temos um problema estrutural relacionado a essa baixa representação feminina nos espaços de poder. Não é só na política. Temos esse problema em várias outras áreas. Na política não seria diferente. A lei da cota de participação feminina dos partidos não é suficiente, pois muitos partidos não se empenham para lançar candidaturas femininas fortes e com chances reais de vitória. Em muitos casos, é somente para cumprir a exigência. E não significa que essas medidas sejam suficientes para resolver um problema que é muito maior. Além disso, as mulheres enfrentam diversos problemas quando se lançam na vida pública –que vão desde a logística de conciliar a vida familiar e a dinâmica das campanhas eleitorais, às dificuldades com o financiamento para as suas campanhas. Soma-se a isso os inúmeros casos de violência e misoginia. 

Érica Baptista é jornalista e doutora em Ciência Política pela UFMG (Arquivo pessoal)

Érica Baptista é jornalista e doutora em Ciência Política pela UFMG (Arquivo pessoal)

Em meio à participação feminina nas eleições, o assunto mais comentado dos últimos dias, que sacudiu o mundo, foi a desistência da candidatura à reeleição do presidente dos Estados Unidos, Joe Biden. O nome mais forte para seguir na disputa até o momento é o da vice-presidente Kamala Harris. Você acredita que a candidatura dela será apoiada pelo Partido Democrata?

Os democratas não tem outra saída que não seja a candidatura da Kamala Harris. Vejo-a como uma candidata natural. Não é que ela seja a melhor, nem a mais forte. É a candidata natural, dadas as circunstâncias. O partido também não tem muito tempo para poder pensar e credenciar outra pessoa para concorrer no lugar de Biden. 

O mundo chegou à metade de 2024 acreditando que Joe Biden disputaria a reeleição. Há chance de os EUA elegerem uma mulher negra para a Presidência dos EUA ainda em 2024?  Não sei até que ponto os Estados Unidos estão preparados ou dispostos a eleger uma mulher negra como presidente. Uma saída é lançar estratégias políticas eleitorais mais fortes, consistentes e suficientes para credenciar Kamala Harris na disputa. 

Voltando para a política local... Atualmente, apenas o pré-candidato à PBH Bruno Engler tem um “padrinho” oficial, o ex-presidente Jair Bolsonaro. Você acredita que outros “possíveis padrinhos” como Lula e Zema possam surgir na campanha de BH?
A existência dos padrinhos políticos nas eleições municipais sempre ocorreu. Não é novidade, mas não significa que seja suficiente para eleger um determinado candidato. A gente tem exemplos de candidatos que têm apoio federal de atores políticos expressivos, como é o caso da Marília Campos, em Contagem, que é totalmente apoiada por Lula, mas que consegue uma votação expressiva de pessoas que jamais votariam no PT, pessoas que não tem proximidade nenhuma com a esquerda.

Não parece um contrassenso as pessoas votarem, para prefeito, em um opositor do presidente da República? O município não poderia sair perdendo com isso?
Não vejo como algo problemático. Não significa que o município vai sair perdendo. As relações, o jogo político, não necessariamente dependem desse alinhamento total. Nós já tivemos exemplos de um governo municipal que não era totalmente alinhado ao governo estadual nem ao governo federal e no entanto funciona. Acho que isso não é definidor. Estamos numa democracia, então isso pode acontecer. 

Você considera que a população está “conformada” com os rumos atuais da política no país?
Não acho também que a população esteja conformada, até porque na última eleição, em 2022, a gente não teve uma voz única. A eleição de Lula foi bastante dividida. Se tivesse conformada não teria sido uma eleição tão apertada, com disputa tão acirrada. E mesmo depois da eleição de Lula e depois de mais de um ano de governo a avaliação da imagem do Lula e do governo dele oscilou bastante. Uma administração que agrada 100% não deve existir mesmo, porque a gente precisa ter sempre vozes para se opor. A gente precisa de uma oposição. Então eu não consigo a população conformada. 

Na sua tese de doutorado, na UFMG, você tratou das consequências da Lava Jato para a reputação da classe política. Pode citar as principais?
Das implicações que a gente teve, dos impactos na opinião pública, o que mais afetou foi o sentimento de confiança nas instituições democráticas. Uma confiança que já não era expressiva acabou diminuindo. As pessoas se tornaram mais desconfiadas em relação às instituições políticas democráticas e descrentes na medida em que a Lava Jato teve a participação de diversos partidos, não foi uma coisa localizada somente na esquerda ou na direita, teve vários partidos e vários atores. 

Das consequências, essa descrença talvez seja a mais preocupante que refletiu inclusive na eleição de 2016. As pessoas estavam totalmente descrentes e queriam opções diferentes do jogo político tradicional. Inclusive a gente teve várias candidaturas de políticos que se diziam outsiders, que traziam a ideia de uma suposta nova política, de serem alheios e avessos ao jogo político tradicional.



Considera que a Lava Jato foi de um divisor de águas no combate à corrupção, como parecia no início? Qual legado a operação deixou?
A Lava Jato na medida em que ela foi um grande caso de corrupção, que foi tratado como escândalo de corrupção e movimentou a opinião pública, as pessoas tiveram uma sensação de que a corrupção estava aumentando, que os casos estavam aumentando e com certeza as pessoas passaram a exigir um pouco mais. Como isso pode ser combatido, como pode ser punido? O legado que a operação deixou pelo menos nesse sentido foi assim. Acho que diminuir um pouco essa sensação de impunidade das pessoas porque elas viram que vários e vários atores políticos e instituições foram punidos. Porque não só a Lava Jato, mas vários outros casos de corrupção que a gente presenciou, eles não tiveram envolvimento somente de instituições públicas. Há um envolvimento também de instituições privadas e que muitas vezes elas não têm um espaço de visibilidade tão grande quanto as instituições públicas.

Então a Lava Jato pelo menos trouxe um pouco essa evidência da participação de outros entes nos esquemas de corrupção, desmistificando um pouco essa sensação de que a corrupção está localizada somente nas instituições públicas e somente num determinado espectro ideológico. A Lava Jato mostrou que a corrupção pode estar presente em todas as linhas ideológicas, todos os campos do espectro ideológico e não somente envolve nas instituições públicas. Acho que a gente não pode chamar de legado, no sentido positivo. A gente teve várias outras implicações bastante negativas para a política brasileira, mas aí eu acho que já é uma outra grande discussão.

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