A Operação "Lava Jato", que chegou à sua fase de número 40 nesta quinta-feira (4), revelou que ex-gerentes da Petrobras repatriaram propinas milionárias por meio do programa do governo federal. Procuradores da força-tarefa do Ministério Público Federal ressaltaram a necessidade de "abrir a caixa preta" do uso da lei que permite aos brasileiros, sob pena de multa ao Fisco, declarar bens até então ocultos no exterior.
Batizada de Asfixia, a nova etapa da "Lava Jato" prendeu três ex-gerentes da área de Gás e Energia da Petrobras, suspeitos de receberem mais de R$ 100 milhões em propinas de empreiteiras que mantinham contratos com a petrolífera.
Segundo a Polícia Federal, os valores eram operados por meio de dinheiro em espécie e empresas de fachada. Além de o esquema ter permanecido ativo até meados de 2016, outra "ousadia" identificada pela força-tarefa foi o uso do programa de repatriação para "regularizar" propinas junto à Receita.
Segundo dados da Receita, o programa gerou arrecadação de R$ 50,9 bilhões de impostos e multas pagos pelos contribuintes, em 2016. Os ativos não declarados no exterior chegavam a R$ 169,9 bilhões e mais de 25 mil pessoas aderiram.
Um dos pré-requisitos era que o patrimônio repatriado não poderia ter origem ilícita. No entanto, de acordo com o Ministério Público Federal, a regra não impediu que o programa fosse usado para declarar ao Fisco dinheiro de propina.
"Isso vai além da anistia da sonegação fiscal e da evasão de divisas que o governo permitiu com a repatriação. Isso é legalizar a corrupção. Precisamos abrir a caixa preta da lei da repatriação", afirmou o procurador Carlos Fernando dos Santos Lima, que integra a força-tarefa da "Lava Jato".
O procurador Diogo Castor Mattos também afirmou que investigados "esquentaram" dinheiro de origem de propina. Um dos investigados, segundo Mattos, tinha patrimônio de R$ 7 milhões no Brasil e R$ 48 milhões no exterior. "Em tese, essas pessoas estão com recursos lícitos, o que gera um risco à sociedade. Isso gera uma nova linha de investigação. A "Lava Jato" deve abrir a caixa preta dessa lei de regularização cambial e verificar de que forma está se dando esse procedimento".
Em decisão que deflagrou a Asfixia, o juiz federal Sérgio Moro destaca o caso do ex-gerente da Petrobras Márcio Almeida Ferreira, que aderiu, em 2016, ao Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária.
"Recolheu ele o montante de R$ 14.376.643,32 em tributos e multa e apresentou, em 05/12/2016, declaração retificadora do ano calendário de 2014, informando a manutenção de ativos no exterior no montante equivalente a R$ 47.922.114,43 vinculados à conta em nome de offshore Domus Consultant Limited mantida no Banco Banif International, nas Bahamas (evento 8, anexo2). Também apresentou, em 26/12/2016, declaração retificadora do ano calendário de 2015, com incremento dos ativos no exterior para R$ 54.506.461,07", anota o juiz.
Segundo as declarações do agente público ao fisco, cujo sigilo foi quebrado, seu patrimônio, em 2013, era de R$ 8,7 milhões e saltou em 2014 para R$ 57 milhões. No ano seguinte, o patrimônio chegou aos R$ 64 milhões. De acordo com o magistrado, "não há explicação para esse salto, nem mesmo nas declarações retificadas já que os rendimentos declarados em 2013 e em 2014 foram de R$ 1.201.507,00 e R$ 419.146,00, respectivamente".
"Apesar da tentativa de regularização dos ativos mantidos no exterior, as benesses da Lei nº 13.254/2016 não se aplicam se eles têm origem em crimes contra a Administração Pública, havendo indícios nesse sentido", reforçou o juiz Moro.